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Mostrando postagens de outubro, 2019

Cinco poemas de Alexandre Brandão

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Direita e esquerda Ao sentar-me no muro da Urca, vi à minha direita um homem com um baita medo de uma abelha à esquerda um bebê segurava os próprios pés, esticava as pernas, comia e balbuciava sem a menor ideia do que seria o medo. Fascite Visto de longe sou um homem de cãs volumosas braços cruzados para trás — e dedos entrelaçados uma das pernas reta, a outra levemente dobrada um homem atento à dança colorida da água que jorra do chafariz. De perto, o rosto  guarda, quase sem motivo, um pouco de alegria e não esconde a dor que sobe dos pés. Poema em 3 X 4   Imagine, então, que o fotógrafo cego buscasse retratar não o que não via, mas o que nunca existiu para a fotografia: um pensamento de escuridão ou uma saudade do amarelo. A viagem de ida Enquanto eu dirigia pela estrada cheia de curvas  você disse: — tenho uma buceta. (Para ultrapassar o caminhão, prestava atenção nos carros que se aproximavam do nosso nos que vinham em sentid

Cinco poemas de André Caramuru Aubert

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sob este céu tão estrelado para Clélia, na noite do nosso aniversário sobre nossas cabeças, o céu. o céu estrelado. o que mais dizer? que a escuridão do cerrado e da serra do espinhaço faz o céu parecer            ainda maior? que, se vistos de um outro planeta, nós seríamos também apenas um pedaço de uma            estrela? melhor ficarmos quietos. nada disso importa. só ó o que importa é que sobre nossas            cabeças está o céu. um céu tão estrelado. um céu que faz este momento parecer infinito, porque é. (inédito) tempestade as nuvens baixas, úmidas, escuras carregadas de chuva, chegaram muito rápido, muito, e o mundo ficou cinza. o verde das folhas das árvores, o que aconteceu com o verde das folhas das árvores? e eu, encolhido na minha carteira, na sala de aula, queria — desesperadamente eu queria — ir para casa, e pensava: como é que eu vou para casa? como? porque a

Três poemas de Matheus Arcaro

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Receita Pra fazer poesia, é preciso mastigar a palavra e sorrir com as sílabas entre os dentes ensanguentados. É preciso lambuzar a palavra de silêncios e saltar com ela a tiracolo do precipício mais alto do interior de si. Pra fazer poesia, é preciso prostituir a palavra a ponto de canonizá-la. Segurar a palavra pelo rabo e, assim que ela gritar grosso, soltá-la no vácuo da lógica. É preciso furar as palavras até que se derramem os sentidos. Todos, um a um: esturricados. E, na poesia, só ficam as palavras teimosas. As palavras com recheio. As palavras com o gosto vermelho da vida. Sou crente Creio na incompletude, no vão entre as verdades, na fragilidade dos juramentos. Creio que lembrança e imaginação trocam fluídos corporais. Creio no sistema solar que existe em cada carícia. Em corpos nus suados em transfusão de potências. Creio que os milagres moram

Três poemas de Raquel Gaio

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e ntupida de orfandade, abro o dorso com uma espátula que atravessa minha altura e encontro lá um escaravelho antigo edemas não tratados um sol sangrando no pulmão uma contusão sempre pontual carne, boca, nervo, tudo deserto esplêndido um estonteante animal deficiente um cheiro violento sai da minha carne e as vozes dos meus pais são como um rinoceronte na minha medula sou atravessada em todas as idades já contou de quantas vértebras somos feitos? qual gesto evoca a ausência que há em mim? meus verbos são nódulos que afundam de delírio e nas minhas bordas estão costuradas as datas de suas vertigens qual a espessura da tua mudez? arar essa terra pagã como a única salvação fazer com que as cicatrizes sejam mais importantes que as palavras. uma idade que não acompanha o envelhecimento dos ossos que está sempre atrasada devendo a algum deus algo que nunca prometeu fotografo eu