Cinco poemas de André Caramuru Aubert















sob este céu tão estrelado
para Clélia, na noite do nosso aniversário

sobre nossas cabeças, o céu. o céu estrelado.
o que mais dizer? que a escuridão do cerrado e da serra do espinhaço faz o céu parecer 
          ainda maior?
que, se vistos de um outro planeta, nós seríamos também apenas um pedaço de uma 
          estrela?
melhor ficarmos quietos. nada disso importa. só ó o que importa é que sobre nossas 
          cabeças está o céu.
um céu tão estrelado. um céu que faz este momento parecer infinito, porque é.

(inédito)













tempestade

as nuvens baixas, úmidas, escuras
carregadas de chuva, chegaram muito
rápido, muito, e

o mundo ficou cinza. o verde das folhas das árvores,
o que aconteceu com o verde das folhas das árvores?

e eu, encolhido na minha carteira, na sala de aula, queria
— desesperadamente eu queria — ir para casa, e
pensava: como é que eu vou para casa? como?

porque a beleza que há no vento forte, na mudança súbita
de pressão atmosférica e de cores, na chegada de uma tempestade
eu, pequeno, ainda não sabia ver.

(se/o que eu vi, ed. Patuá, 2019)






depois de um waka de Yamabe-no-Akahito (729-48)

no acostamento desta estrada, envolvidos
por tantos aromas de flores e mato e por tantos zumbidos de insetos e
pela vista do céu e da luz e de nuvens e de montanhas ao longe. envolvidos
por quase toda a beleza, enfim, que pode haver no mundo, nós
só conseguíamos pensar na sede que sentíamos,
e em como iríamos trocar o pneu.

(inédito)








a essência das coisas
depois de “O estilo implícito”, de Sikong Tu (837-908)

a essência das coisas, de tudo,
sentida, sem que uma única frase
fosse pronunciada. a infinita tristeza,
compartilhada, sem que qualquer som
fosse emitido. no espaço aberto, no
infinito do tempo, poeira, apenas. e
a intensidade dos seus olhos, do seu
olhar.

(as cores refletidas nas lentes de seus óculos escuros, ed. Patuá, 2016)














Cansaço
Depois de “Next”, de Charles Wright

às vezes me sinto tão cansado — é tamanha a exaustão — que fico
com vontade de deitar, no meio de uma praça,
no meio do dia. apenas deitar. ignorando carros,
passarinhos e pessoas (possivelmente horrorizadas)
de cara feia. ah, sim, eu ficaria deitado, no meio de uma praça,
apenas ouvindo a grama crescer.
e olhando para alto,
para o céu, para as nuvens que porventura passassem.

(se/o que eu vi, ed. Patuá, 2019)











André Caramuru Aubert nasceu em São Paulo em 1961. Bacharel e mestre em História pela USP, publicou três livros de poemas: Outubro / Dezembro, As cores refletidas nas lentes dos seus óculos escuros e Se / o que eu vi, todos pela Editora Patuá; e cinco romances, entre os quais A cultura dos sambaquis, pela Descaminhos, e Poesia Chinesa, pela SESI-SP editora. Traduziu diversas obras, entre as quais Diário de um desesperado, de Friedrich Reck, e Areias Movediças, de Octavio Paz. Atualmente trabalha em seu novo romance, Estevão, além de coordenar as edições brasileiras do inventor dos quadrinhos, seu tio-tataravô Rodolphe Töpffer, dos quais os cinco primeiros volumes, incluindo a primeira HQ da história, Monsieur Jabot (1833), já saíram pela SESI-SP editora.






Imagens: Wei Pan e Gigi

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