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Mostrando postagens de julho, 2020

Cinco poemas de Ana Valéria Fink

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A ÁGUA DA PIA a água da pia, em círculo, vai pelo ralo. e eu não tenho a tampa... assim, a vida. passando, correndo, voando, escoando depressa, sem que nada a detenha. a vida, líquida, escoando pelo ralo. e eu não tenho a tampa... DESAMPARO vida traça-me trilha na areia. há vento por aqui. DRAMA EM DOIS ATOS I ATO você no proscênio eu, voluntária, na coxia apoio pra sua alegria II ATO seu decesso involuntário me resta o camarim onde ensaio reinterpretar a mim sem concepção de adereço nem cenário. sem ponto. você, roteiro de onde não volto. (o Grande Dramaturgo pregou-nos uma peça: nessa desídia transcreveu em tragédia o gran finale .) BONS TEMPOS bons tempos aqueles em que dos sonhos ruins despertava em seu abraço – sua insônia fazia-me vigília. agora é quando abro os olhos que o pesadelo me acomete. COMPAIXÃO coro(n)ad

Três contos de Cinthia Kriemler

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CORTEJO DE ANJO O cortejo fúnebre segue pela rua principal, criando uma paisagem anêmica. Carros, gente, bichos dando passagem ao morto em estranho respeito. No trajeto da procissão de rostos padronizados, casas pequenas mantêm portas e janelas fechadas. O fechamento é tradição. A intenção do gesto é homenagear o defunto com uma decência de passagem. Coisa antiga, de interior. Quem o morto foi não importa. Se foi ou não criatura de pecados. Ladrão, traidor, assassino, viciado. Na morte, tudo cessa. Porque a morte é paga que baste. Não, não importa mesmo quem foi o passante. Só às vezes. Quando tudo está errado. E a cor do caixão denuncia a trapaça nojenta. Como hoje em que a morte que segue na carreta é morte desonesta. Caixão branco. Meio metro de corpo. Nem metro inteiro. Até para Deus é covardia. Na falação excitada dos jovens, muita raiva. Se Deus existisse, não matava criança. Gente ruim Deus não leva. No silêncio dos mais velhos, alívio. Mais um que escapou

Três poemas de ZaiDe Moz

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"MVPC” Debajo del limonero de las cuatro estaciones anida tu recuerdo, música dulce para el sueño del insomne. Vía crucis de la agonía... Exiliada de mí, allí donde todo es invierno, recorro la anatomia de lo que fui y ya no seré. La dimensión de una tragedia herida, tango, tsunami existencial, y el final, ¿inevitable? Esquilo sabe...cuando las vísceras arden... Geometría fatal de ese instante la hiel de los días sin vos, mi niña-mujer hermosa resplandor, rosa incandescente, sangre de mi sangre. Ahora nos une el destiempo, telas de araña, musgo, brumas, la soledad de la carne. Deambulo entre abismos, procuro abalorios, te sueño vendaval No existe antídoto para tanto veneno... Los vientos de agosto sacuden mi alma, acaricio el silencio, nuestras canciones elegía de corazones aturdidos. Condenada a tu ausencia, sólo tristeza,   sombras, tatuaje patético y el vacío. Imperativo de una partida fuera de agenda,

Oito poemas de Michaela v. Schmaedel

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LIÇÃO (I) Não permitir que o enorme pássaro sem asas afete o teu espírito criativo. Ter no bico um estado permanente de uma felicidade estranha. PREVISÃO Dias nublados para o amor nuvens espessas gordas prestes a cair sobre as nossas cabeças e os nossos corações minúsculos. FUTURO “Felizes os felizes” Jorge Luis Borges É preciso esquecer para continuar. Não lembrar, eis a chave. Felizes os desmemoriados. ELPENOR Para Ismar Tirelli Neto A Odisseia, rapaz, não é sobre viajar ver Circe ou voltar de Hades nem sobre contar as glórias das guerras ou os infernos do submundo. A Odisseia, rapaz, tem a ver com sair de casa e voltar vivo. LIÇÃO (II) Arrumar a gaveta como quem arruma o coração: deixando sempre espaço para uma certa desordem. SINAL Ando pela avenida vazia de gente quando vejo alguém é alguém vazio de gente