Três poemas de Matheus Arcaro
Receita
Pra
fazer poesia,
é
preciso mastigar a palavra
e
sorrir com as sílabas
entre
os dentes ensanguentados.
É
preciso
lambuzar
a palavra de silêncios
e
saltar com ela a tiracolo
do
precipício mais alto do interior de si.
Pra
fazer poesia,
é
preciso prostituir a palavra
a
ponto de canonizá-la.
Segurar
a palavra pelo rabo e,
assim
que ela gritar grosso,
soltá-la
no vácuo da lógica.
É
preciso furar as palavras
até
que se derramem os sentidos.
Todos,
um a um: esturricados.
E,
na poesia, só ficam as palavras
teimosas.
As palavras com recheio.
As
palavras com o gosto vermelho da vida.
Sou
crente
Creio
na incompletude,
no
vão entre as verdades,
na
fragilidade dos juramentos.
Creio
que
lembrança
e imaginação
trocam
fluídos corporais.
Creio
no sistema
solar
que existe em cada carícia.
Em
corpos nus
suados
em
transfusão de potências.
Creio
que os milagres
moram
na
umidade das virilhas.
Creio
na lágrima do mendigo
e
no sonho erótico da freira.
Na
santidade da puta
e
nas memórias de Brás Cubas.
Creio
em deus como creio
no
curupira que nasce
na
boca de uma velha bordadeira.
Creio
nas palavras sujas
como
alvejantes do mundo.
Temporais
Há
os que estão sentados na esperança,
aguardando
o fim de semana,
o
mês seguinte,
o
ano em que os astros se alinharão.
O
alívio dos dias úteis.
Na
casa de máquinas ao lado,
há
os que mastigam as migalhas
endurecidas
de Cronos,
suspirando
pela ferrugem dos ponteiros.
Há,
por fim,
os
que intuem o instante.
Os
que dançam
sobre a mortalha da eternidade.
Há
os que vivem.
Matheus Arcaro é mestrando em Filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo, dos livros de contos Violeta velha e outras flores e Amortalha e do recém-lançado de poesia um clitóris encostado na eternidade. Também colabora com artigos para vários portais e revistas.
Imagem: Brandon Heyer
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