Cinco poemas de Alexandre Brandão
Direita e esquerda
Ao sentar-me no muro da Urca,
vi à minha direita
um homem com um baita medo de uma abelha
à esquerda um bebê segurava os próprios pés,
esticava as pernas, comia e balbuciava
sem a menor ideia do que seria o medo.
Fascite
Visto de longe
sou um homem de cãs volumosas
braços cruzados para trás — e dedos entrelaçados
uma das pernas reta, a outra levemente dobrada
um homem atento à dança colorida da água que jorra do chafariz.
De perto, o rosto
guarda, quase sem motivo, um pouco de alegria
e não esconde a dor que sobe dos pés.
Poema em 3 X 4
Imagine, então, que o fotógrafo cego buscasse retratar não o que não via, mas o que nunca existiu para a fotografia: um pensamento de escuridão ou uma saudade do amarelo.
A viagem de ida
Enquanto eu dirigia pela estrada cheia de curvas
você disse: — tenho uma buceta.
(Para ultrapassar o caminhão,
prestava atenção nos carros que se aproximavam do nosso
nos que vinham em sentido oposto e
conferia o desenho da rodovia logo adiante.)
Por achar graça no que ouvia
pela alegria da intimidade
devo ter sorrido com ternura e contenção.
Quando paramos para abastecer o carro e esticar as pernas
ao sair do banheiro, você apoiou seu rosto no meu peito.
Depois, sem muitas palavras, seguimos
eu sempre atento à estrada
e você ali,
olhando árvores, bebia água, me oferecia água,
comia biscoito seco, me oferecia um e depois outro.
Uma hora chegamos.
A viagem de volta
Na volta, você dirigia e
sua concentração a distanciava do interior do carro.
Eu mascava um chiclete depois do outro —
inclusive o de hortelã, comprado a seu pedido.
Uma hora chegamos.
Alexandre Brandão é um escritor esforçado, não escreve para a plateia, mas é para a plateia que escreve. Tem livros de contos e crônicas. Suas crônicas saem na revista Rubem (rubem.wordpress.com) e em seu blog, No Osso (noosso.blogspot.com). É do coletivo Estilingues, que lançou, em 2018, a coleção Estilingues 30 (Editora Patuá), com um livro de cada um dos sete autores. Alexandre sonha em ser poeta.
muito bom, belos e poéticos VERSOS....
ResponderExcluirAssim se afia a poesia, Xará. Aplausos.
ResponderExcluirObrigado, "Unknown" e Xará. Na poesia, vou tateando. Ah, não só nela, na própria vida, vou tateando.
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