Cinco poemas de Leonel Delalana Júnior
Queria ver o pôr do sol e uma acauã robusta, fidalga
com um ramo de oliveira no bico
voando em círculos
helíaca
ao infinito:
subindo, subindo, subindo…
onde o nada absoluto numa insignificante frouxidão bastasse
um menino soltando pipa…
(onde pipas não colidissem com
helicópteros)
um arrebita-rabo assobiando longamente e sem culpa
sob a tarde vermelha
um rio-serpente riscando vértebras e segredos ao vento
pequenos seixos explosivos iluminando o mar
Do medo do esboço
das paredes frias que quase nada dizem das futilidades
[(da
beleza)
do amor
do medo da campainha tocar no momento em que consigo
[sorrir
às vezes a vejo caminhando ao longe chutando pedrinhas
o concreto absurdo do possível
Made medusa
de todo medo, de todo desejo da
carne, de toda regra, na fé propagada aos ares, velozes serpentes no jardim,
vísceras de um monstro maior desta dinastia navegante,
não diga que o buraco é mais embaixo,
quando se sabe da cumeeira, do chão das fábricas, dos pisos de mármore, dos
vidros vulcânicos, das câmaras frias, das atendentes de telemarketing nos
encarando do outro lado (tristes ou não)
o jorro, o gozo no gordo rabo do
engodo, das erupções da língua, dedo no dedal, bélica, mítica, tal qual tsunami
no olho do umbigo, telescópio míope, a iminência do machado na nuca, o mofo da
toga, os liquens que brotam amargos dessa média classe, quando a barbárie cala
fundo
na dor que não alcançamos
Matando o dragão
fosse eu um distinto ou destino de
poeta nesse instante tão distante de você, ante a luz que calcula a beleza e a
sombra do seu corpo (ainda aqui)
na ponta dos pés caminhando sobre o
meu abdômen, descalça, ao vento, trotando na sublevação do meu peito – seria
uma trégua
na cadeira de balanço que foi da
minha avó, posta num canto do quintal, esquecida, o sol aquece meu corpo nu,
sem pele, o qual você tosou por ingênuo passatempo
trago uma bola de ferro nos pés, eram
asas, lembra?
voava tranquilo sobre chaminés, hoje
tenho dificuldades em subir escadas, tenho dificuldades em descer pelas janelas
os nervos pulsam ao som da música
ruim do vizinho, membranas escorrem adesivas pelas raízes do chão
desvendar a noite, os rumores do voo
das gaivotas em plenas asas, o vento em plenos pulmões na face do silêncio frio
das matas e das pedras
ver o fruto desfrutando da flor,
caindo de maduro no calor das mãos em plena colheita, deixar escorrer dos
lábios e dos dedos um poema
tem sido a salvação
Adelaide
o verbo entalado na garganta, os olhos consumidos na
indulgência da aceitação,
o inaudito respiro, a morte a ser construída, culpada
mãe, sua consistência de caulim, sua pele diáfana, culpada
do barro forte, sua bipolaridade de porcelana, da sua costela
um menino, culpada
no desvão, as alegres cartas se revelam expondo o
encantamento, vi vocês no meu medo de escuro, sua culpa
mãe, você é culpada por falar alto demais, culpada por só ter
o segundo ano primário, mãe
seus lábios finos, suas tetas enormes, suas tantas dores, sua
culpa
também culpada pelos seus olhos verdes, seus imperativos e
por anular o pai
tudo era deus deus deus e era um deus-nos-acuda sua fúria,
mãe, você é culpada
culpada pelas orações ineficazes sem concordância alguma com
o céu
culpada pela prosa pouca do pai, culpada por ser semiletrada,
por ter voz estridente, por falar sem vírgulas, sem ponto final
sei que não foi assim de repente, igual a implosão do
aneurisma-bomba,
levou tempo para que eu olhasse para você, digo para você
mesma, aí dentro
você
os joelhos cravados de pedregulhos, a preocupação exacerbada
desconstruindo confianças, nossas caminhadas na praia, culpada
mãe, você era porreta, lembro-me de você matando porcos, das
linguiças penduradas em varais por sua culpa
do muro de pedra, as pedras você carregou
das convulsões que teve, você é culpada, mãe
da sua largueza de espírito, culpada
culpada por seu desapego material e das amizades que fez
dona cida morreu semana passada aos 80, e você tão jovem,
mãe, culpada
dos discos compactos coloridos na sonata vermelha, você é
culpada, minha mãe
se todo mundo é um anjo como decretou ginsberg, você é um
anjo, mãe
caído
torto
culpado
um anjo culpado por me mostrar que há feiura onde muito se
farta, sua máxima culpa, mãe
tudo possível e viável porque você estava lá,
culpada
O resto?
Construção e
desconstrução permanentes
de gavetas e tudo.
Imagens: Jules Bissier
Queridos Brisciani e Jules, obrigado pela divulgação e pelo lindo trabalho. Putabraço procêis e avante.
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