Cinco poemas de Theo G. Alves
o idioma secreto
quantas
letras
são
necessárias para que eu escreva
seu
nome?
em
verdade,
quantas
letras
são
necessárias para que você me ouça chamar
seu
nome
enquanto
o escrevo?
quantos
gestos de amor
quantas
saudades infinitas
quantas
pedras dos muros de israel
são
necessárias para que você me compreenda?
para
que mensure
a
distância de minha estrada
a
densidade de meus ossos?
quantas
mãos
precisarei
estender
para
que você atravesse comigo
este
abismo de
silêncios
e
os negrumes das cavernas mais
antigas?
eu
digo a você:
venha,
mas
não sei em que idioma secreto
você
compreenderia
minha
voz.
vi tão pouco do mundo
vi
tão pouco
do
mundo
minha
geografia
está
emaranhada
entre
o
barreiro
das almas
e
a
rua
do brejo
é
tão pouco
miúdo
mas
é o que tenho
tudo
o que tenho
e
trago
nestas
mãos mais
ásperas
nestes
dedos de
madeira
vi
tão pouco
do
mundo
ainda
assim
não
sei bem
que
fazer com tudo isto
que
reverbera
meu
tempo:
as
charadas
do
negro quinzena
cuja
utilidade prática
não
se podia
aferir
o
desenho
trôpego
das pernas
de
nereu e zuquinha
bêbados
oficiais do
bairro
o
delírio
de
nossos loucos
de
rua
carregando
imensas bandeiras
invisíveis
os
riachos
que
janeiro afogava vorazmente
em
frente
às
nossas
casas
as
ladeiras
os
caminhos
as
ruas
de
barro
e
miséria
vi
tão pouco
do
mundo
se
é real
este
mundo que
vi.
aqui estou
"aqui
estou",
respondeu
abraão ao
sacrifício
de
seu único filho.
"aqui
estou",
respondo
ao chamado da palavra
que
amealha gravetos para
minha
imolação.
reverbera
um
nome impronunciável
passo
após
passo
sobre
os ossos finos
das
folhas
mortas:
sangue
ocre
músculos
de papel.
reverbera
um
nome impronunciável
passo
após
passo
sobre
o dorso
dos
mortos
resilientes:
gavetas
antigas
poemas
de aquário.
"aqui
estou",
repito
ao meu pai,
meu
algoz:
na
esperança de que uma palavra
salve-me
ainda
a
vida.
cães como eu
sinto
imensa
piedade dos cães
como
eu
que
vagam
sem
propósito
mas
não é de não terem
propósito
que
sinto pena
esta
pena
sem
propósito é de mim
que
sinto
sinto
imensa
piedade dos cães
como
eu
que
dormem jogados
à
rua
mas
não é de dormirem
à
rua
que
sinto pena
esta
pena
de
quem dorme a comprimidos é de mim
que
sinto
sinto
imensa
piedade dos cães
como
nós.
balada para leonard cohen
deixe
o
chapéu sobre
a
mesa
e
descanse
seu famoso
casaco
azul.
permita
que
seu corpo sossegue,
velho
amigo.
os
soldados
já
estão a voltar
do
fronte.
deixe
o
chapéu sobre
a
mesa
e
descanse
seu famoso
casaco
azul.
permita
que
a profundidade de sua voz
ecoe
na
modéstia
de
suas falas,
na
beleza
de
seus versos.
deixe
o
chapéu sobre
a
mesa
e
descanse
seu famoso
casaco
azul
permita-nos,
velho
amigo,
estarmos
hoje em
profundo
silêncio.
Theo G. Alves é escritor e fotógrafo. Nasceu em 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos. Publicou os livros “Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis”, “A Máquina de Avessar os Dias” e “Doce Azedo Amaro”, todos de poesia; “Por que Não Enterramos O Cão?”, de contos; e “A Cartomante que Adivinha O Presente”, de crônicas”.
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