Cinco poemas de Jorge Amancio
EMPÁTICO
1
Com o sapato folgado
uma flor na mão
um pingente carmim
desenhado na testa,
correu para abraçar o pai.
Carpido com um soco,
um braço fraturado
e lagrimas mudas
(meninos não choram)
a dor do macho
a sete chaves
2
Ao entrar no elevador
os brancos diziam:
fora daqui.
Na sala recém-comprada
no sétimo andar
um negro se tranca
no escritório
conta até dez
e soluça antirracista
(chorar é empático)
lágrimas barbadas
morfinizam a dor
3
Em volta do pau
(egóicos paranoicos ilógicos)
violam o ventre
o vento e a verdade.
4
Nos olhos
um brilho fálico,
lágrimas aprisionadas
nascem corruptas
violentas sangrentas
e não aceitam a derrota
(homem não chora)
lágrimas nascem
em corpos mulheres
O PELE DE VIDRO
no céu purpúreo
os pássaros vítreos
) arco-íris em voo,
saíam
das chamas
refletiam
no preto do asfalto
o ballet do fogo
no largo do paysandu
uma cratera vulcânica
iluminava
a igreja dos pretos
o quilombo de vidro
derretia
o aço concreto
ardia em perdas
na madrugada
de primeiro de maio
o pele de vidro
desabou
quietude fumaçaria
90 minutos
24 andares
146 famílias
sem teto
VÊNUS NEGRA
na rua da mulher sem cabeça
a cabeleira
afro-caribenha
mistério erótico
na tela de Manet
o mar a deixou em Paris
beleza crespa sensual
amante das amantes
palco cor e estigma
a mulher do dândi
assistia às prostitutas
de nossa senhora
lorettes expatriadas
futuras mães
da belle-époque
a beleza da pele
agrava a nobreza
o poeta e a atriz
cristalizam o ódio
o perfume exótico
na cabeleira
uma serpente
que dança na varanda
onde nasceu?
quando morreu?
onde foi enterrada?
outro dia caminhava
na rua da senhora sem cabeça
para buscar o amante poeta
corroído pelo ópio e haxixe
com as flores do mal
numa das mãos
Salv’Elas
Baobás invisíveis
plantam
a imutável
identidade,
semente
da negritude.
Genes da criação
deixam
a luz da sabedoria
no DNA da memória.
Renascidas
na lente monocromática,
do olho cego
que
humilha,
agride
e mata,
que
se diz superior,
que
se apropria
dos quereres.
Flores invisíveis
lutam
pelo instante,
abraçam
a esperança,
oram
(in)certezas.
Choram
pelo filho
que
jamais verão.
Salv’Elas
Ponto 45
o sol
espreita
pelas frestas.
a neblina
acalenta
os óculos escuros.
pingos
lacrimejam
o dia.
ando
ao portão
entreaberto.
a lembrança
entre rasga
a voz.
no silencio,
o cheiro de flores
e mármore.
a chuva fina
o arco-íris
despedem-se
da manhã.
a terra
cobre
o corpo.
Sem chão,
prendo
a memória.
mudo
a cama de lugar,
abraço
o travesseiro.
guardo
a munição
ponto 45.
ouço
Lupicínio Rodrigues
e choro.
New Brazilian Poems (a Bilingual Anthology after Elizabeth Bishop) org. Abhay K. – Ibis Libris ed. – 2019
Poemas publicados no Correio Braziliense – Diversão&arte – seção Tantas Palavras.
Coordenador do Poemação – Um Sarau Videoliteromusical
Curador da Bienal do B de Poesia na Rua – a única bienal anual (2011/2014 a 2018)
Prêmio Cultura Afro–Brasileira 2018, Secretaria de Cultura DF
Grupo Os Três Mal-Amados – Web Transmitido pela plataforma Zoom - 2020
Imagem: Ami Strachan
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