Cinco poemas de Angélica Torres Lima
Pandêmicos
Pandêmicos 1
QUIMERAS
Você se cortou
quando a luz caiu
e um lago choveu
no ar da cidade
e uma bomba
gritou muito perto
e o sangue jorrou
em sua mão
e a morte apeou
na escuridão
do apartamento.
\Mirante
de miragens /
: são os trôpegos
d'asas Norte
são os voos
de efeitos etílicos
ah se de amores
ah se idílicos
que rasantes
daríamos nós
sob os céus
vermelhos!
Pandêmicos 2
POR QUE?
Quem atravessa a escuridão
pensando em Amor me diga
Eros vence Tânatos?
Quando as almas voam
para outros céus-infernos
há lá albergues e numes?
O que fazem o ar e a luz
se impressos juntos
no negrume?
(a renúncia sinaliza
sua ambígua partida.
como ver? como não?)
Reiniciar o viver
e o planeta, onde?
Eis a questão.
a Bernardo Bernardes, in memoriam
Pandêmicos 3
VÃO
É mais vasto o peito
que o espaço entre a Terra
e o astro mais remoto
do universo
e quanta dor cabe nele.
Mas a dor
é ainda mais larga.
A que vaga
solitária
esvaída por estradas
não mais percorridas.
Por caminhos encerrados.
Pelos mortos das casas
que sequer em sombras
de brumas cerradas
não mais habitam.
Pandêmicos 4
OS MORTOS
dios mio, qué solos se
quedan los muertos!
a. g. bécqer
É um vazio em carne viva
este
aqui no peito aberto
saber
quem se amou
de
amor desperto
agora
um deserto
em trevas.
Ser
que não regressa.
Em
pó se replantou.
Mas onde?
em
que matéria
a alma se rebrotou?
Que
proveito a flora
a
fauna o fogo o
fóton
fizeram
da flama
desse
amado?
Fabricaram
a fibra
que
ao peito se agarra?
a
desterraram no país
do
Nada vagador?
Por
onde o espectro
encantado
desse amado
se
entranhou ?
Pandêmicos 5
MINGUANDO
As vidraças deixaram
árvores entrar em casa
com as raízes nos pés
e o crepúsculo nos galhos.
Passei a ver poentes
embebidos em seu nome.
E embriagados.
Pensei em rebatizá-los
de Saudade pois traziam
no peito as noites
e as novas luas
dizendo: são todas suas
para que se aqueça
em meu fogo branco
e me
esqueça.
Angélica Torres Lima publicou oito livros, seis de poemas, entre eles O Nome
Nômade (semifinalista do Prêmio Oceanos 2016), O
Poema Quer Ser Útil e Sindicato de Estudantes (Prêmio
Mário Quintana de Poesia, do Sindicato de Escritores do DF 1987). Sua poesia
foi matéria de dissertação no mestrado em Literaturas da UnB, em 2011, sob o
título A voz do feminino na poesia
contemporânea de Adélia Prado, Adriana Calcanhoto e Angélica Torres. Nasceu
em Goiás e vive em Brasília desde a adolescência.
Imagens: Yolanda Mohalyi
Uau! Que poemas maravilhosos! Dão nome a tanta dor a tanto amor...Angélica é uma poeta arretada de boa!
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