Quatro poemas de Noélia Ribeiro
ELIOTEMPO
O tempo futuro de Eliot
cinge passado e presente.
Não pressupõe a espera,
esse monstro devorador
das noites e das intuições.
O futuro aprisiona a todos
como se fôssemos ladrões
da hora encarcerada
na caixa de aviamentos.
Que desenho faremos
com a linha obscura
que atravessa as veias do calendário?
Pagaremos para ver a costura
do tempo na malha do nada?
O futuro mostra-se muito caro.
FOME
atirou as moedas do almoço
(pela volta de seu homem)
no abastado e mágico poço
e foi trabalhar com fome
I CHING EM 2020
Pelo olho mágico, vejo o teto encostar na cabeça
dos velhos em genuflexão; o cansaço de nada
vingar-se dos jovens que violam as saídas de emergência.
Avizinho-me do sonho e parto, com as três moedas
do I Ching, no ímpeto de desvendar
o hexagrama em tuas costas.
A raposa atravessa a grande água.
Os corpos celestes movimentam-se.
Pelo olho mágico, tu me vês atrás da porta.
O mundo sem sentimento perdoa
nosso inviolável abraço antigo.
As moedas ficaram no poço.
O desejo, comigo.
ALLIUM CEPA
Chore.
Chore até soluçar. Permita
que a mobília desmorone. Leia
um poema de Paulo Henriques Britto. Ouça
Dolores Duran no Spotify. Corte
uma ou duas cebolas na cozinha.
Elas exsudam abandonos antioxidantes.
Prenda, então, a lágrima com chave
espartana, como fez dias atrás, e
caminhe pelo centro da cidade.
Os miseráveis conseguem cortar cebolas sem chorar.
Noélia Ribeiro é pernambucana, radicada em Brasília. Cursou Letras na Universidade de Brasília (Português e Inglês). Publicou Expectativa (1982), Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015) e Espevitada (Penalux, 2017). Tem poemas em antologias, jornais, revistas e revistas eletrônicas. Integrou a antologia digital As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira vol. 2, organizada por Rubens Jardim, e a exposição Poesia Agora, na Caixa Cultural (RJ). Recebeu da Secretaria de Cultura (DF), o prêmio Igualdade de Gêneros na Cultura. É membra da Associação Nacional de Escritores (DF) e da União Brasileira de Escritores (RJ).
Foto da autora por Carlos Cezar Cecéu
Imagem: Sherri Lynn Wood
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