Cinco poemas de Luciana Barreto




CONCHA

 

Nem sempre a palavra comparece

e se verte em poesia (melancólica toada)

Por vezes, esconde-se silente

faz-se recôndita, grave

guardadora de sustos e mundos

 

Nem sempre a palavra nos habita

em seu frêmito irrequieto (incontido)

Por vezes – ancestral – vela seu sono

em torres de sal-luas-areia

e ali mesmo se confunde (e se refaz)

naquele braço vibrátil de mar

 

Nem sempre a palavra pode ser dita

mas – de todo modo – inscreve-se

e impossível (imemorial) rasura seu grifo

em sua pele de pedra, em seu mamilo de flor.

Assim a concha cumpre o que lhe cabe:

o segredo pétreo (e delicado) dos amantes.

 

 

SETEMBRO

 

Enquanto espero

tudo à volta se move lentamente

e o espelho rebate meu rosto difuso

os olhos graves pairam estáticos

o sorriso (por ora) tremula ainda tímido

 

Enquanto espero

imagens absurdas evolam-se aéreas

a sereia flutua em suas vestes ciganas

as cigarras rebentam mais tímpanos de vidro

os ventos as folhas relembram setembro

 

Enquanto espero

avanço soberba o corredor incorpóreo

janelas pra dentro recolhem suas asas

e regresso insone ao labirinto de pedra

– comigo (agora) flores nas mãos

e aquele fio (imemorial, infindo)

ata-me (suave) ao fim.

 

 





OUTONO

 

Devagar

soltam-se

– uma a uma –

as folhas do calendário

devagar

desprendem-se

– trêmulo caule –

as folhas do desejo

devagar

desvanecemo-nos

– lado a lado –

silentes exaustos

devagar

o outono

– a todos –

incandesce.

 

 

ROSA

 

Uma pétala porta o orvalho

(e o que resta da fria madrugada)

 

Uma rosa relembra os ventos

(e o insistir violento da beleza)

 

Um amor desprende-se do caule

(e um sopro nem sempre é suave)

 

 






MÓBILE

 

Há um anjo em cada canto?

Junto daquela senhora de pés descalços

de olhos tristes e gratos a toda moeda estendida?

No sorriso solto do menino marrom

com seus halls dropes mentex?

No dorso suado de homens ao sol

e seus braços gastos de cimento de pó?

 

Há um anjo em cada canto?

Talvez ali nos olhos mesmos da velha pedinte

No riso desabotoado do garoto do sinal

Na fronte cansada do pedreiro Raimundo

 

Há um anjo em cada canto?

Nas praças impõem-se pétreos – e surdos –

Nas catedrais repousam solenes – e soberbos –

Mas no quarto dos enamorados tão somente

Tremulam e tremulam e tremulam

a cada luz-suspiro-saudade.

 

 

 

 

 

 

 












Nascida no início da década de 70, na cidade de Brasília, o fascínio pela palavra levou Luciana Barreto, ainda muito jovem, a optar por Comunicação/Jornalismo, a sua formação inicial na Universidade de Brasília (UnB). Por vinte anos, seguiu a vida como jornalista, mas sem abandonar o que sempre perseguiu como solo e horizonte: o desdobrável leito da literatura. Com mestrado e doutorado em Teoria Literária pela UnB, desenvolveu pesquisas nos universos de Hilda Hilst, Dante Alighieri e Osman Lins, participando de congressos e publicando ensaios e artigos em periódicos e livros acadêmicos. Atua como professora universitária em Teoria Literária e Literaturas. Tem poemas em revistas, blogs literários e coletâneas de poesia. O seu primeiro livro Nunca é casto o fio do poema está em fase de editoração.

 

 

 

 

Imagens: Brice Marden


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