Um conto de Mário Baggio
QUANDO EU VOLTAR A SER NADA
Hoje pela manhã cortei fora minha orelha esquerda e a joguei no lixo. Saí para trabalhar. Na rua encontrei um conhecido, que estranhou o curativo e perguntou o que houve. Disse-lhe que tinha batido a cabeça no armário da cozinha. Pedi um café no bar e o atendente me olhou com pena e quis saber onde eu arrebentara a cabeça. Respondi que fui esquiar no fim de semana e bati de lado numa árvore.
Quando cheguei ao escritório, todos me olharam com espanto e logo se acercaram de mim, perguntando se eu precisava de algo, o que tinha acontecido etc. Disse a eles que fui diagnosticado com um tumor maligno no lado esquerdo da cabeça e que em poucos meses iria morrer. A secretária do andar não disfarçou uma lágrima quando me deu um beijinho na bochecha.
Todos estavam solidários com minha desgraça e me trataram com muita consideração. Achei bom ser o centro das atenções e o principal assunto das conversas. Sei que isso vai durar uns dias e depois tudo voltará ao normal — e eu voltarei a ser o mais absoluto e insignificante nada.
Na semana que vem cortarei minha orelha direita.
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