Três poemas de Alexandra Vieira de Almeida
Sobre a beleza do negro
A negritude em sua essência
não igual ao branco da página
mas à construção do sentido
ao verbo em toda sua
inteireza
Nas cavernas da memória/esquecimento
o negro se traduz nas pinturas mais inusitadas
Os complementos como num jogo de xadrez
num duelar mais original, sem mortes súbitas
mas as peles que se revestem
na conjuntura do mundo
As faces se intercalam
murmurando um mosaico de vozes
O branco e o negro
são a mistura
que convive no meu peito aceso
pela chama da miscigenação
pela vida que se abisma em mar de desejos
As peças são moldadas pela visão
de um paraíso em sol do sim
de um deserto/cidade
atropelados pela memória cinzenta
que obscurece as lãs das nuvens mais velhas
Quero o retrato em preto e branco
posto ao meu lado
para me lembrar de minha negritude
que se enrola nos meus cachos negros
e no meu nariz de batata
Vivo o agora
que é a tintura claro-escura
do final da tarde, unindo os dois versos
as duas cores paridas pelo sol e pela
lua pelo dia e pela noite
O meu verso tem que ser força negra
que não arraste o branco da página
para o caos
mas para uma ordem
dos amantes
do fraterno jogo que irrompe do
vazio fazendo-se lenda da eterna
palavra.
Tulipa negra
Ela era a noite
Escondia-se do sol
Em momentos de lascívia
Na soturna espera dos sentidos
A cor adestrava a vagueza da letra morta
Era cor viva não tal qual sangue
Mas absoluta na sua morbidez de vida
Latejava as duplas montanhas da sorte
Em bebericar a lua numa espera de sol
O encontro era na caverna noturna dos corcéis
Que se atropelavam feito lendas de escorpião
A flor era o segredo da
noite A faiscar bolhas de
palavras Na pele, a
sonolência do sol
A sombra desaparecia, pois não era resto
Era plenitude açoitada na fonte
No longínquo mapa do toque
A vastidão do fundo do mar
Em adentrar aquele rosto escuro da beleza
Em pleno despertar das coisas eternas.
A negra cor das palavras
A negra cor das palavras,
rasgando minha pele abismal
No sono dos mortais,
encontro a imortalidade da chama
que queima o corpo da manhã
Na noite dos apaixonantes véus,
o delírio do verso esférico
como a bola da lua em cristal de espumas
Não digo o verbo de espinhos
qual sangue que fere o tempo
Digo a palavra bruta
que tece os terçóis do sol
Na languidez do mapa,
o itinerário das negras letras
a faiscar um caminho para o Paraíso.
[poemas do livro A negra cor das palavras, Penalux - 2019]
Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta. Tem Doutorado em Literatura Comparada (UERJ). Atualmente é professora da Secretaria de Estado de Educação (RJ) e tutora de ensino superior a distância (UFF). Tem seis livros de poesia, sendo o mais recente A negra cor das palavras (Penalux, 2019). Seus poemas foram publicados nos importantes meios de comunicação: “Revista Brasileira”, da Academia Brasileira de Letras, “Jornal Rascunho” e “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Publica constantemente em antologias, revistas, jornais e alternativos por todo Brasil e também no exterior. Tem poemas traduzidos para vários idiomas.
Imagem: Eva the Weaver
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