Uma ficção de Sérgio Tavares
Humanos
Para
Alberto Bresciani
Enfim, o mar.
A imensidão metálica predominando além da faixa branca.
Desnudo meus pés e sinto a areia morna, a brisa que
veleja minha roupa até a arrebentação.
Tiro a máscara e me sento.
Aspiro o frescor salino.
As ondas cabeceiam o raso, derramando franjas de espuma
que ardem meus dedos.
Fixo a vista na maré e, de repente, noto uma mancha
forçando o elástico da superfície marinha.
Uma dança de duas baleias a poucos metros de mim.
Fantasmam suas toneladas no turvo profundo sem gravidade,
que torna colossos lentos e leves.
É um momento mágico de retomada representado na liberdade
nunca subtraída daqueles animais.
O mundo não era um perigo, pois lhes faltavam humanidade.
Então ouço passos.
Olho ao redor e vejo que pessoas se aproximam, sem
proteção.
Formam uma corrente, lado a lado do meu eixo, braço a
braço do meu corpo.
Absolvidos do distanciamento, observam a cena, mútuos e
fascinados.
Daí a cauda de uma das baleias insurge do metal,
desenhando em v majestoso que se estampa no horizonte, paralisa o tempo.
E, assim, sentimos como se o casulo da ameaça se
desativasse em segurança.
E o vírus não mais existisse como uma ponte que se
incinera entre a memória e o fato.
Novamente respiramos em sociedade.
Ainda estranhos, mas agora cientes de que, guiados pelas
baleias, todos submergimos para a nova vida antes de tocar a água.
Sérgio Tavares nasceu em 1978. É crítico literário e escritor, autor de “Cavala”, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura, e “Queda da própria altura”, finalista do 2º Prêmio Brasília de Literatura. Alguns de seus contos foram traduzidos para o inglês, o italiano, o japonês, o espanhol e o tâmil. Participou da edição seis da Machado de Assis Magazine, lançada no Salão do Livro de Paris. Escreve sobre livros em www.anovacritica.wordpress.com.
Imagem: Kenzo Okada
Comentários
Postar um comentário