Cinco poemas de Paulo Rodrigues
CAFÉ PRETO
as mulheres juntavam
cuidados e saudades,
nas fotos antigas.
dois meninos brincavam
no meio fio, pintado de cal;
escoltados pelos olhos
das formigas.
os vingadores desceram
do carro atirando nos
inimigos, que estavam
na rua.
os meninos tiveram as camisas
atravessadas pelas balas.
a ambição escorrega
nas lágrimas, de uma das mães.
a outra ficou no chão
olhando para o sangue
na asa da xícara.
MISTÉRIOS
a Travessa do Tamarineiro
me invade
como o sol invade
o broto, antes da flor.
como invade a explosão
antes do cheiro do caju;
a nódoa aberta
na fotografia da sala.
a Travessa do Tamarineiro
exala o cheiro forte
da vida.
eu sou o círculo
no lado avesso,
do abismo.
ENTENDA-ME OUTRORA
entre o almoço
e o café da tarde
perco a esperança
e duas unhas,
mas piso firme
nas pedras.
devagar, passo a mão
nos móveis da sala.
o intolerável também é poeira.
BOPE
corto o pelo dos pés
no batente;
a porta de dentro
parece fechada.
uma lagartixa cai
do muro.
tento juntá-la.
ela me encara.
o rabo do bicho
sai correndo atrás do corpo.
desejei
aquela resistência.
PERDIDO
teus cabelos
estão espalhados
pela casa.
entre as laranjas,
na fruteira,
encontro teus cabelos.
no chão do quarto
me enfrentam.
afirmam que eu sou solúvel
e serei chorume
sem desespero,
nem amor.
é certo que vou desaparecer;
não farei mais juramentos.
o universo é insolúvel,
preciso de cartas náuticas.
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