Cinco poemas de Paulo Rodrigues




CAFÉ PRETO


as mulheres juntavam

cuidados e saudades,

nas fotos antigas.


dois meninos brincavam

no meio fio, pintado de cal;

escoltados pelos olhos

das formigas.


os vingadores desceram 

do carro atirando nos

inimigos, que estavam 

na rua.


os meninos tiveram as camisas

atravessadas pelas balas. 


a ambição escorrega

nas lágrimas, de uma das mães.


a outra ficou no chão 

olhando para o sangue

na asa da xícara.







MISTÉRIOS 


a Travessa do Tamarineiro

me invade

como o sol invade

o broto, antes da flor.


como invade a explosão

antes do cheiro do caju;

a nódoa aberta 

na fotografia da sala.


a Travessa do Tamarineiro

exala o cheiro forte

da vida.


eu sou o círculo

no lado avesso,

do abismo.  







ENTENDA-ME OUTRORA


entre o almoço

e o café da tarde

perco a esperança

e duas unhas,

mas piso firme

nas pedras.


devagar, passo a mão

nos móveis da sala.


o intolerável também é poeira. 







BOPE 


corto o pelo dos pés

no batente;

a porta de dentro

parece fechada.


uma lagartixa cai

do muro.


tento juntá-la.

ela me encara.


o rabo do bicho 

sai correndo atrás do corpo.


desejei

aquela resistência.







PERDIDO


teus cabelos

estão espalhados

pela casa.


entre as laranjas,

na fruteira,

encontro teus cabelos.


no chão do quarto

me enfrentam.


afirmam que eu sou solúvel

e serei chorume

sem desespero,

nem amor.


é certo que vou desaparecer;

não farei mais juramentos.


o universo é insolúvel,

preciso de cartas náuticas.












Paulo Rodrigues
(Caxias, 1978), é graduado em Letras e Filosofia, especialista em Língua Portuguesa, professor de literatura, poeta, jornalista. É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018). Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório. É membro da Academia Poética Brasileira. 

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