Cinco poemas de Fabrício Brandão







entreatos

 

mordisco a ira

como quem colhe

às cegas

a primeira flor

 

durante o salto

guardei de ti

esse gosto passado

duma pequena espera

 

fazes-me falta

agora que esqueci

de mirar o mar

e iludir o eterno

 





pretensão

 

dizer-se poeta

é bolinar as partes mais íntimas

da falta de bom senso

do tino que abandona o tonto

lá nas alturas sem fim

 

achar-se pronto

é beijo de língua no cinismo

 

pois onde reina a tal fantasia

alguém esqueceu de deixar o mapa

com a receita do sucesso







 





Ode à Estamira

 

Para Estamira, nobre catadora de sonhos

 

uma certa cara rajada

e eu cato verbos no monturo

para limpar as falsas purezas

 

abraço a companhia dos invisíveis

pois eles justificam a minha intensa vontade

de não entender o solo que esmago

 

a boca tritura a razão que inventei

quando sei berrar ao divino

minha sã doutrina

 

fui apedrejada pelos restos do cometa esperado

mas, mesmo assim,

sei amansar águas com os olhos

 





Anunciação

 

vede

pelo adiantado da hora

pássaros já dormem

 

indiferentes aos tais

lamentos mundanos

 

o que resta mesmo

no olho cego das coisas

é uma noite sem purezas

 

um tempo de cio

gotejamento que arranha

 

pedra de corte

rasgos no silêncio

frases mal ditas











Sonora

 

Para Ildásio Tavares

 

Existem canções

A vida nunca mais acabará depois delas

Como num sopro as lembranças

Giram no apertado do vazio

 

Redime, escutar murmúrios

Esquecidos em meros artifícios

 

Viver em constante dúvida

Sem enfraquecer

Nem levar o acaso a sério

 

Quando a porta fechar

Que o canto fique impresso









Fabrício Brandão é baiano e editor da Revista Cultural Diversos Afins. Formou-se em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo, tempo que viveu em Vitória e lá pôde trabalhar no projeto de exibição de filmes brasileiros Cinema BR em Movimento. É autor de versos e prosas publicados em livros, sites e revistas. Mestre em Letras: Linguagens e Representações pela Universidade Estadual de Santa Cruz, sediada em Ilhéus, na Bahia, onde atualmente cursa o doutorado pelo mesmo programa.




Imagens: Clyfford Still

 

 


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