Cinco poemas de Fabio Weintraub
MAIS MAGRO
mais magro
meu amigo está mais magro
volto a encontrá-lo
dois ou três verões mais tarde
e chego mesmo a dizê-lo:
você está mais magro
problemas de intestino…
responde-me esquivo
… já estive pior, agora
voltei a engordar
não peço detalhes
mas vejo o ombro mirrado
entre as alças da regata
evito tocá-lo
pois a mera proximidade física
parece estranha agora
que meu amigo está mais magro
novamente juntos
caminhamos pela orla marítima
eu lhe recito algum verso
ele me ensina outro insulto
e há quase alegria de trégua
não fosse o fato
de ele estar mais magro
se ainda ontem tocassem
os telefones insones
na barra da madrugada
e meu amigo dissesse
palavras de testamento
eu sairia correndo
para deitar-lhe compressas
na testa já repartida
se fosse eu o afogado
dentro da onda invisível
de bílis, lua e silêncio
ele pagava o resgate
limpava o sal de meus cílios
me devolvia em segredo
sobre a toalha mais limpa
mas hoje estamos exaustos
há um dreno em nossa bondade:
minha boca só tem dentes
e meu amigo
está mais magro
de Novo
endereço (2002)
MÃE
então me informaram
que os pertences da paciente
— um par de brincos mais um colar —
deveriam ser retirados
pois há quem se fira
ou fira os outros
em tal estado
minha mãe suplica:
precisa de talismãs
para passar a noite fora de casa
só assim ficará protegida
o Inimigo não a tocará
expliquei-lhes que não era caso
para um tal rigor
minha mãe não era disso
só estava muito triste
e confundida
a funcionária assentiu a contragosto
devolveram-lhe as bijuterias
assinei o termo de responsabilidade
e ainda pude ver os enfermeiros chegando
antes de ser forçado a sair
de Novo endereço (2002)
O CÉU QUE NOS PROTEGE
tira o penhoar e vem arrastar
os pés fora do quarto
parou de chover há pouco
o céu é sujo nas poças
a vizinha de andador
te aguarda no meio da quadra
com bico de papagaio
eternamente curvada
ela só sabe do céu
por caridade das poças
amanhã não caminharemos
fará frio ou calor
e fecharão a calçada
(da varanda contígua
alguém terá se atirado)
mas hoje é nosso o passeio:
seguimos no arrasta-pés
lentos, desincorporados
entre estilhaços de céu
de Treme ainda (2015)
CAMINHO
para Kelly Alonso Braga
a energia parou aqui
as pernas estão frias
no peito o ar dividido
coração não junta
as pernas estão frias
o caminho está dentro de você
o caminho tem que sair
a gente ajuda
esquenta suas pernas
reúne seu ar
o sol já vai nascer
esfregue essas ervas na garganta
tudo começa na garganta
o medo divide o ar
arrume um girassol
algo vai começar
quando o ar se junta
e as pernas se aquecem
o chão despacha você
de Quadro
de força (2019)
FILHO
um livro não é um filho
não cresce somente
dentro de você
cresce fora
em ilhas desabitadas
alguns vêm num jorro
outros levam dias
semanas meses vidas
um livro não é um filho
perfeito ele pode ter
três mãos
oito bocas
nenhum olho
sem ser prematuro
(incubadeiras não há)
um livro nunca chega a termo
um livro escolhe seu nome
dispensa registro em cartório
teste de paternidade
às vezes ele chuta
dentro da cabeça
de Quadro
de força (2019)
Imagens: Alexander Calder
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