Cinco poemas de Eleazar Venancio Carrias







A TORRE


Meu pássaro morre dentro de mim
Ninguém poderá dar-lhe penas novas 
Meu anjo de asas decepadas
Morre grudado em meus ombros

Meus amigos estão doentes tanto quanto eu
Com muita dificuldade subimos a montanha
Apenas para saber do abismo intransponível

O mapa prometia leite, pão e água limpa

Longe, vejo uma multidão de homens agitados 
Mal os diviso, mas parecem
Empenhados em construir uma torre

"Impossível negociar com eles,
Falam todos a mesma língua"
– Chega correndo um menino,
A avisar-nos, gritando

Negociar. Mas até para isso
Precisaríamos ter pontes
Meu pássaro doente,
Meu anjo de asas decepadas 
Estamos de pé e vemos a Torre.
Aos debilitados, talvez seja caminho
O abismo.

 


 



PROTOPOEMA

Imersos na tarde secular
grandes homens de boa vontade
puxando cordas rústicas e grossas
tentam trazer o céu à Terra.

Do ponto de ônibus Deus observa
puxa um cigarro – acha graça.

Mas não consegue disfarçar 
o brilho triste 
há muito cristalizado na retina.








 



PROTOPOEMA_2

Uma orquestra desmoronando
Um batalhão que de repente se ajoelha
Um navio em chamas, afundando
Uma nuvem de pássaros contra a vidraça
Manada de búfalos na curva da estrada
Úmido planeta que saísse de órbita
Um deserto mudando de lugar –
Um império que desaparece

sob a cartografia enrugada.


 




NOMEAR AS COISAS

 

De moto não vais para casa:
Na minha terra, pode chover dias seguidos.
Sim, tiveste um dia ruim,
Mas que tolice, nomeá-lo dessa forma.

Fiquei duas horas ouvindo a chuva
E vi que o mundo funcionava bem.

O problema está em nomear as coisas.
Um nome pode desencadear tristes destinos.
Tanto quanto possível,
Evita essa tarefa ingrata.

Se nosso irmão não se chamasse Caim,
Teríamos Abel conosco esta noite.
O pai nunca se perdoou por ter
Escolhido o nome errado.

E no entanto, chuva é um nome.
Essa não passa tão cedo.
Olha: olha sem intenção de estudo:
Chuva é um nome que deu certo.









 



JÓ SE APRESENTA

 

Eu sou o pescador displicente.

O cientista sem método.

O cego que encontrou o caminho da morada da luz.

 

Sou aquele que diz “obrigado”.

O santo que se arrepende.

O fazendeiro criador de aves –

galos que não cantam mais que três vezes na vida.

 

Eu sou o vento fugindo a cavalo.

/ o pescador o cientista o cego /

Sou a pergunta que Deus respondeu do meio da tempestade.


 

















Eleazar Venancio Carrias nasceu em 1977, no interior da Amazônia. Publicou os livros Regras de fuga (2017) e Quatro gavetas (2009), vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura, na categoria poesia. Doutorando em Educação na Amazônia pela Universidade Federal do Pará e mestre em Educação pela Universidade de Brasília, atua como pedagogo no Instituto Federal do Pará – Campus Tucuruí. Vive em Breu Branco-PA, Brasil.




Imagens: Mark Rothko


Comentários

Postar um comentário