Seis poemas de enzo fuji





subversivo


marcuse
diz que o potencial político
de uma arte é estar-se apenas
em sua dimensão estética


antonio candido
afirma que a arte é uma
transposição do real para o ilusório
que dão um tipo arbitrário para as
coisas, os seres, os sentimentos


brecht
analisa a história humana
em tempos que são difíceis
defender o óbvio


valter hugo mãe
convence de que é preciso aprender
sobre este resto de solidão para
aprender sobre o resto de companhia


e eu não penso muito neles
quando estou triste


que me perdoem
os clássicos como baudelaire
e rimbaud e eliot


mas a estética não importa
se através de linhas retas
você não chega a lugar algum


é preciso do absurdo,
da fragmentação, da vulnerabilidade,
do espanto humano como quem analisa
o expressionismo da obra de gogh
ou como quem vê uma criança brincar
e chorar.


*




o amor arrebenta


no amor
o canhão atira almofadas
ao invés de bolas gordas
amassa os bordados e pisa nos tapetes
e tudo isso bate delicadamente e diz
eu te amo ainda


no outro dia não venhas para
cá não quero ver-te
hoje beijinhos grandes
na sua testa e boca
depois de amanhã
acabou-se tudo


no amor
o esquecimento por pura teimosia
das bugigangas que estavam presentes no
canto e é um tempo mínimo de música triste


no amor
o alívio dos exageros
o espanto dos silêncios
e o encanto feito som suave mas tenso assim
o sincronismo da teimosia
através do mecanismo do amor
de desenterrar a febre ardente e enterrar
algumas cartas mal escritas de onde denominamos amor


no amor
pôr o diabo nas cobertas é uma
nova descoberta aos anjos da cama


e decididamente certas vezes
deslizamos perigosamente a
fascinação do amor
como quem espera sentir um
arrepio ou como justamente desabrocha
uma flor resistindo aos percalços
da vida
a sua inimiga.


*




este tempo em vão,
pássaros que andam,
lua de manhã,
do lado direito,
o coração.


tempo que vai,
e deixa gosto de não.


*




a boca que escarra


juro a mim mesmo, que inda a minha infância,
neste tempo de dizer nada, querendo dizer tudo,
troquei-me, afaguei-me e apeteceu-me querer
escarrar a angústia que sinto deste mundo.


eu, vil, próximo ao mortiço, duro ao relance
do crepitante à crosta da saliva, no peito de
fumaça, encaro-te, de modo valetudinário,
anjo, o ápice do que eu nasci, vivi e morri.


não me adianta nada neste país, entendes?
as traças, os vermes, os cupins, estão todos
a devorar a incompatível natureza humana.


continuo, apenas, neste meu medo, simples,
respirando a poeira de estrelas, vivas, modos
de tempo, e caminhar-me ao sol que emana.


*




eu guardo você
como quem guarda o livro mais especial
da biblioteca
não aquele que fica na posição exata
estática fixa da prateleira
todavia aquele que dorme todos os dias
ali na cabeceira com a gente
com a ideia vaga de
que um dia retornarei a
lê-lo com a mesma vontade
de sempre
e no entanto
penso
talvez amanhã
talvez amanhã


*




de você
carrego a
pedra


somente
a pedra


aquela
que bate


aquela
que fica


aquela que
dá saudade


e de vez
em quando
me esqueço
e confundo
pedra
com perda


*









enzo fuji é poeta e estudante da UNICAMP, onde cursa Sistemas de Informação. Publicou, aos 18 anos, o seu livro de estreia, depois que seja tarde antes que seja nunca (Editora Patuá, 2018, finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura). Fez parte da antologia Adolescência e seus temores (Editora Jogo de Palavras, 2019). Fará parte também da antologia Poetas Resignados (Editora Mondru, 2020). Vencedor do prêmio da editora Lamparina Luminosa (2017) e também o Edital Cultural da calourada UNICAMP (2020). Tem poemas nas revistas literárias Mallarmargens, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura, entre outras. Atualmente ele tem 19 anos, descartou o seu primeiro romance, e agora está escrevendo o seu próximo livro de poesia. Os quatro primeiros poemas fazem parte do seu livro depois que seja tarde antes que seja nunca.


Imagem: Davi Ozolin

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