Quatro poemas de Marcos Samuel Costa








Chamas

Não chamas o deus,
ser não físico, sem matéria,
sem húmus, amo,
não queimará nenhuma lembrança,
a força que fará
não tem água, não apaga,
ele próprio não queima.

O pesadelo em teu quarto,
gás vazado, fósforo acesso, estalos,
os dedos se estalaram,
o crime de tenebrosa vertigem,
morra, a casa fica fora da área de perigo,
habitantes ausentes na festa,
habitantes fugitivos
da guerra sem deus,
atravessam o mar
num navio em chamas.

Não habitará nenhuma
casa humana,
na criação da terra
o deus fez terra e mar,
oceano é palavra moderna,
queimou as paredes,
vejam – a intimidade
do homem exposta.






Devora

Durante a terrível tempestade
no meio da noite

as horas são desérticas,
tristes como cacto sem labor

terra arrida 
casa vazia em dia de festa

é no meio da noite que o búfalo
atravessa o campo na escuridão

observa com atenção
se armarem munidos

a arma de fogo contra o peito,
não faz efeito

o remédio vencido, a nuvem
se desfaz da chuva, se desfaz

o mar aberto, o homem
suas pernas

a outra nuvem chega,
a outra nuvem é feita

de gafanhotos
devora












O movimento

É na língua viva o movimento
a fruta, dentro a estação
se olham os álbuns as figuras
os gessos as pedras, as coisas
feitas de pedras o ângulo

os rascunhos, enfim feito
o pré-modelo o movimento da língua
não criou é antes,
é mar sem descida
restrições de avisos sinais placas –

atenção! tubarões ameaçam a vida,
a boca de dentes, ferozmente
abocanha córtex ferido
calcanhar de Aquiles devorado
não sorria dentro da foto

se desfaça dos dentes, não enfrente
a fera das águas
é esquecimento fraqueza,
língua viva no mar
vejo as palavras naufragas

palavras que são ditas pelos
náufragos no mar o afogamento,
aleluia diz o que em terra
firme tem os pés, pequenas

piscinas de desilusão,
pequenos botes grandes perdas,
a morte, criança morta na praia,
pessoas mortas, mortos
na praia, é viva a língua

e destroça o corpo,
destroça o corpo, destroça o corpo,
nada mais resta
a palavra é morta.






“salva-vidas”

1

Acordado na levitação
pulmonar
calma de um réptil,
fazendo respiração
boca-a-boca

em afogados na praia,
fumaça fogo água
na função:
pedra.

Pedro sente tudo grave,
pesado,
pesando no perfume
do afogado         

no ninho vazio
nas asas quebradas
sal e morte
por dentro
              




2

por fora
no seu corpo
perdas silenciosas
na concha

nenhuma lembrança
membranas paradas
agora voa num
telhado rachado

o morto é triste,
devia estar
à procura
algum país

de língua
antiga
alguma garganta

que lhe engula
na pele verde
na escama escura

na pena vermelha,
todo o seu gesto
erótico.




















Marcos Samuel Costa é natural de Ponta de Pedras - Ilha de Marajó - Amazônia brasileira, poeta, contista, cronista e romancista vem se destacando no cenário da produção do Norte. Atualmente cursa Serviço Social UFPA e mora em Belém do Pará.






Imagens: Brice Marden 

Comentários

Postar um comentário