Oito poemas de Douglas Dias Ferreira









Birra

o poeta naquele dia
queria porque queria
um poema, poesia
bem iria um haicai

mas a inspiração não vinha
qual gota de colírio no ar
suspensa, tremendo
tão pequenina que não cai

e ele ali, de olhos pro alto
aflito pedindo
que se adensasse a gotinha:
- ai, cai!






Aval

tão querido que
ateu
amigos acreditavam em Deus por ele













Mutante

horas quero estar vadio
pouco estando, entreolhando
morrer o dia sem calor nem luz

já depois o poder-ser
agarrar o dia nos dentes
entreter a luz, estancar a tarde
fazendo cera com o sol nas mãos






Ninho

às vezes parto só para poder voltar













Wanted

a cada toc do ponteiro de segundos
não mais sou eu quem está aqui?

Quero-me de volta!





Que pena

daquela falta de aniversário só sobrou o imaginário

(perdeu quem não foi)

apaguei a tiros a vela do bolo
abati sete xerifes e meio e, oh,
aquele monte de estrelas do lado do coração sobrando













Dezembro

quando eu era menino
o menino jesus era assim
um irmãozinho mais novo
desses que vão à creche

passado tanto tempo
me pergunto como pai
- o que falta ao menino
que não cresce?



*** 



amigo é aquele do qual
se eu também for pro céu
quero sentar por perto



























Douglas Dias Ferreira nasceu em São Paulo. Com a perda do pai, aos 10 meses, muda-se com a mãe para Leme, mais bem para uma fazenda de colonos italianos, casa dos avós maternos. Aos onze anos entra para o seminário dos Missionários do Sagrado Coração, de onde sai aos dezoito. Tradutor, revisor e preparador de textos, é autor do dicionário Verba Juris – Latim Jurídico e Dos Costumes. Quando menino, muito queria uns irmãos para não apanhar sozinho nas ruas.





Imagens: Helen Frankenthaler


Comentários

  1. De rara beleza e sensibilidade! "às vezes parto só para poder voltar" é uma agulha eterna enfiada nas costas.

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