Sete poemas de Luís Perdiz












VENTANIA

pelas florações do milagre
pelos órgãos do universo
pela paixão pré-histórica
pelas espécies das luzes

a árvore dança
irriga a carne dos deuses
e o sangue do sol

avigora o vulto da onça
umedece a força feminil dos frutos
em sua adolescência boreal

entre pétalas viajantes
carrega a cura da própria voz






ESTADIA

sempre na sua casa
os vitrais se entrelaçam
as teias desnudam o tempo

as peles se dissolvem
meu alicerce mais valente
assiste o horário













PLAYGROUND

o que mais me relevava naquele
playground vazio
era o silêncio
igual ao meu

infância fantasia atravessada
merthiolates colos contrastes
amigos imaginários
todos eles filhos únicos

ensimesmado
pressentia sons de macondo

outras partes longas
indefinidas
longe do baile de minotauros













LENDA

juntos no fim dos tempos
povoado por guepardos e mediterrâneos
dançaremos febris sobre as sucatas da história

amor marítimo entregue a novas terras
caravela ensolarada contrabandeando
ervas inseguras
e a visão incurável de selva e morte






VISÃO 2018

ó cidade estratosfera bélica
de cruéis vértebras nascentes
de clementes coturnos fascistas
de legiões mumificadas em torrentes
de guilhotinas no seio da mata
de fatais condores insustentáveis
de mansas hemorragias antevistas

não posso com o sol em seus granitos
nem suportar fora de curso
seus remotos antros doutrinando o desespero
estarreço esmaeço eclodo arrebatado
aquietado ao lado de anjos abrasados






Meus amores levaram minhas roupas.
Não há agasalhos no armário
duro, de mármore profundo.
Ainda sobrevive selvagem
o precipício da paisagem.






Atravessar os sentidos.
Em algum cartão-postal
ou nas cenas cadentes
do próximo capítulo
inscrito na bruma.




Luís Perdiz é autor dos livros Saudade mestiça (Patuá, 2016; menção honrosa Nascente USP), Visão incurável (Demônio negro / Hedra, 2018) e Desejo de terra (Primata / Patuá, 2019; contemplado com a bolsa de Criação e Publicação Literária ProACSP). Participa das antologias Hilstianas Vol 1 (Patuá, 2019); Sob a Pele da Língua: breviário poético brasileiro (ARC Edições, 2019); Poesia que queima: antologia da resistência (Patuá, 2018); Antologia Casa do Desejo (Patuá, 2018); É um dos fundadores e editores do portal de literatura Poesia Primata e da Editora Primata. Atua também como cantor e compositor no grupo Estranhos no Ninho. Nasceu em Campinas (SP) e atualmente vive em São Paulo, onde pesquisa produções poéticas brasileiras da atualidade. Site/contato: www.luisperdiz.com.br.





Imagens: Antonio Bandeira

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