Seis poemas de Alexandre Brandão
Chuva de pedra
Numa taça que não existe
em um bar igualmente inexistente
bebo o drinque concreto
draconiano
seco
puro:
bebo o vento.
Bebo e vento, suave e constante,
empurrando essa chuva de pedra
para o porto em que você não me espera.
Pássaro sírio
Não com lentes de hortelã,
meu pássaro sírio,
nem com breves sílabas e um único
gesto.
Tampouco com o samba mudo
ou com a arma de mira cega.
Muito menos com a gafe
ou com a manta de um vulcão insone.
De agora em diante
falo, meu pássaro sírio,
sem a túnica da poesia
ou da segunda intenção do silêncio.
No dia em que sumi do espelho
No dia em que sumi do espelho
cavalos começaram a voar sem disfarce
e as manhãs de abril tomaram a brisa do mar de setembro
à custa do silêncio
os vândalos vedaram a porta da sombra dos anjos
os vândalos, eles mesmos e de novo, não suportaram a própria
dor.
No dia em que sumi do espelho
um Ford Bigode fundiu o motor de seus amores
e as maçãs do rosto da noite apodreceram ao relento
à custa de veneno
os doentes curaram-se da eternidade
os doentes, eles mesmos e de novo, não doeram da própria voz.
No dia em que sumi do espelho
meus irmãos se descobriam aflitos
e a beleza não passou de um creme de abacate esquecido no
abacateiro
à custa da memória
o riso mostrou seus dentes
o riso, ele mesmo e de novo, caçoou do meu medo.
Catarina
Chet Baker canta “My funny Valentine”
um whatsapp faz o celular zunir
minha amiga morreu, fico sabendo.
Choro — e é tão pouco
choro.
Chet Baker canta
daquele jeito de quem trouxe do inferno um pouco de beleza.
Os bichos
Quando a greve dos seixos não deu pouso aos pássaros
não mais que dois beijos venceram a culpa cristã dos casais.
Já quando um caramujo espreguiçou com vigor e medo
o dia fez-se não a extensão da noite, mas a sua escuridão:
bicho sem olho
mão sem dedo.
A mágica
O mágico, sob aplausos, saca o coelho da cartola
o coelho chega com focinho de poucos amigos
o mágico tenta contornar a situação — nunca passou por isso
o coelho, diante de espanto geral, toma conta da situação e
enfia
o mágico na cartola — em seguida chora
o coelho nunca passou por isso.
Alexandre Brandão é um escritor esforçado, não escreve para a plateia, mas é para a plateia que escreve. Tem livros de contos e crônicas. Suas crônicas saem na revista Rubem (rubem.wordpress.com) e em seu blog, No Osso (noosso.blogspot.com). É do coletivo Estilingues, que lançou, em 2018, a coleção Estilingues 30 (Editora Patuá), com um livro de cada um dos sete autores. É autor de Nenhuma poesia: uma antologia (Editora Patuá, 2020), do qual são estes poemas.
Imagens: Vieira da Silva
Por que você não lê esses para a gente? Aguardo. Bjs
ResponderExcluirAs leituras foram pensadas com poemas de outros, os meus quem sabe noutra hora. Mas obrigado, querida Marilena.
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