Cinco poemas de Patricia Laura Figueiredo









sair

sair do país
como se sai
de um buraco

músculos flácidos
dedos inchados
sair falando baixo

riscar o muro
com o sangue
coagulado

pedra por pedra
empurrar a terra
de volta pro buraco

cobrir com mato
o ar esgotado
sair bem rápido

ofegante e machucado
livre e desconfortável
sair envergonhado
*






falta

mesmo nessa outra pele
essa outra língua
esse outro buraco

mesmo se raso e claro
mesmo se nesse frio
o odor de sangue desse lado

mesmo se entre bombas
onde não se morre ainda
meu corpo em cada metro

dessa estrada
cada pulo cada pata
agora não há mais nada

nem o perigo mais corrosivo
o q humilha e q cala
agora só essa estrada

essa luz
tua risada
nossa casa
*











sinos

ainda existem sinos q sonam
nos passos mancos dos mansos

ainda os mesmos balanços 
de acalanto e resistência 
em braços de sono e sono

ainda o barulho dos trens
em ferrovias intensas

ainda as sirenes vermelhas
nas ruas urgentes e atentas

ainda os pés dos pequenos
antes dos cordoes e dos laços

ainda a pele macia 
na dor dos labios 
apertados apertados

ainda essa voz que ousa
na lagrima acuada

ainda a alegria insolente 
no sujo da gargalhada

ainda esses marinheiros
em portos de refugiados

ainda o recomeço incansavel
nos dedos nas pernas nos braços

o peso que se esquece
na noite que nunca acaba

no tempo que nunca houve
na criança desarmada
*





pressa

mais q hora

é preciso ter pressa
em ver as coisas

é preciso pressa
pois as coisas
estão desaparecendo

pressa em ver as coisas devagar
*












escuta

esses passos de botas no leste da europa
(os ferros em nossos tornozelos
longe bem longe)

repara como o ódio
a ironia são covardes
falam só pra si mesmos
não escutam
não respeitam
acusam
apontam com dedo
e por trás desse pobre dedo
covardes
se escondem deles mesmos

os tiranos os psicopatas
os perversos os que gritam
os que falam falam falam
esses que odeiam crianças e mulheres
esses “homens”

ouve
o silêncio ensurdecedor dos sinos

quando não se tem mais nada
a dizer
é preciso calar não é assim?
é preciso calar
se calar
e caminhar em silêncio
raspar a pele das batatas molhadas
a carne deixar pros diabos
(os diabos agora a gente sabe
eles caem do céu)
andar andar mais e mais e de novo
rápido e em silêncio

a loucura
desses tempos de ignorância
paralisada na garganta
apertando como cinto
com gana cada criança

preparar meninas fortes
pra um mundo de homens fracos
e cantar até a última gota
a vida a dança a beleza da criança
inteira
que mesmo antes da linguagem
(e por isso?)
sabe dividir
o pão o riso a dança

andar andar e silenciar
construir a liberdade
nesses tempos em que deus mata

escuta
tá ouvindo?
os passos de botas no leste
da europa vindo rindo vindo rindo
*









Patricia Laura Figueiredo (Pat Lau) entre São Paulo, onde nasceu e se dedicou à poesia e ao teatro desde cedo, e Paris, onde mora desde 1990, amadureceu seus poemas numa vida dedicada a tornar o poema uma experiência essencial. Publicou o seu primeiro livro de poesias, Poemas Sem Nome, pela editora Ibis Libris e seu segundo No Ritmo da Agulhas, em março de 2015, pela editora Patuá. Participou de várias antologias, no Brasil e na Alemanha e também em diversas revistas digitais de literatura e poesia. Seu terceiro livro de poemas foi publicado pela Editora Dasch em 2016: Poemas Bebês.









Imagens: desenhos de Deborah Dornellas
















Comentários

  1. sempre aquela força
    do peixe que move
    lodo no mar profundo

    move tudo e vê distinto
    porque tem luz
    própria: Pat Lau

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