Cinco poemas de Alberto Lins Caldas









erhaben

● sim - a torrente ta mais violenta e acre - ●
● os sapos saltam mortos nas margens - ●
● os peixes boiam - depois a escuridão - ●
● isso q se estende não quer conversa - ●
● mortos se separam em ossos e carnes - ●
● são as carnes q nos comemos alegres - ●
● com os ossos erguemos nossas casas - ●
● com o medo os dias - todas as noites - ●
● isso q se estende não quer conversa - ●
● sim - a torrente ta mais violenta e acre - ●
● de manhã bem cedo bebo meu sangue - ●
● depois trabalho o dia inteiro - sim sim - ●
● outros tambem chupam meu sangue - ●
● volto quase morrendo - sem força sim ●
● os peixes boiam - depois a escuridão - ●
● os sapos saltam mortos nas margens - ●
● a qualquer momento dançarei no rio - ●
● sem sangue - ossos elegantes e finos ●
● separados das carnes - todas mordidas ●
● por essa fome - o trabalho - a insonia - ●
● depois q devoramos os filhos os filhos - ●
● curvados servos do horror - sem saber ●
● sem sonhar - sem suspeitar - decididos - ●
● sim - a torrente ta mais violenta e acre - ●
● isso q se estende não quer conversa - ●
*






joyce


● depois de tudo - ●
● é tão ridiculo - ●
● so terei amado meu cão - ●
● seus olhos de fim de tarde - ●
● seu sono no meu peito ●
● quando pequenino - ●
● ate tão frio nos meus braços ●
● depois de tudo - ●
● é tão ridiculo - ●
● so terei amado meu cão - ●
● isso é tão triste - ●
● porq destrui tudo e a todos - ●
● destrui aventuras desertos - ●
● florestas cidades rios mares - ●
● depois de tudo - ●
● é tão ridiculo - ●
● so terei amado meu cão - ●
● se abre a velha verdade - ●
● a da insignificancia de tudo - ●
● a não existencia de todo alem - ●
● ate mesmo dum cão negro - ●
● depois de tudo - ●
● é tão ridiculo - ●
● so terei amado meu cão ●
● depois de tudo não havera nada - ●
● nem eu nem o amor nem o cão - ●
● nada q me rodeou nem os olhos - ●
● nada jamais foi vivido ou sonhou - ●
● depois de tudo - ●
● é tão ridiculo - ●
● so terei amado meu cão - ●
*











brutus é um homem honrado


● com a ponta - rugosa dos dedos - ●
● toco - as pedras da muralha da china - ●
● com a lingua - como um cão - lambo - ●
● as pedras da muralha da china - ●
● com os olhos - famintos - mastigo - ●
● roço - as pedras da muralha da china - ●
● tentei fecundar - na madrugada de feno - ●
● as pedras da muralha da china - ●
● sonhando - imovel mirei - sua linhagem - ●
● sim - das pedras da muralha da china - ●
● cada uma delas rosnou - não tente - ●
● tento - as pedras da muralha da china - ●
● perdi o outro - outros - a mim mesmo - ●
● pelas pedras da muralha da china - ●
*






nuvem de moscas ou os vermes


● minha criação de cordeiros começou ●
● com poucos cordeiros herdados sim ●
● do meu pai do meu avo do bisavo ●
● sempre viveram ao redor do castelo ●
● q herdei do meu pai do avo do bisavo ●
● porisso o deserto onde havia florestas ●
● tragadas por milhões de cordeiros ●
● vindos daqueles poucos q herdei sim ●
● do meu pai do meu avo do meu bisavo ●
● é desses milhões de cordeiros q vivo ●
● vendendo o q posso tirar deles vivos ●
● ou mortos tirar tudo transformar tudo ●
● em ouro em prata em cobre em vidas ●
● as q são minhas dos meus e nossos ●
● tudo isso q herdei do pai avo e bisavo ●
● foram tão poucos cordeiros tão poucos ●
● deixo a filhos netos bisnetos tataranetos ●
● esse deserto sem fim e seu duro horror ●
● deixo o ouro a prata o cobre as vidas ●
● q herdei do meu pai do avo do bisavo ●
● os mesmos q aos milhões devoraram ●
● florestas como gaivotas num carrocel ●
● de tubarões dentro do grande cardume ●
● mas deixaram sim ao redor do castelo ●
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beyond my power to dream


● sou sua vassoura minha rainha ●
● pode soltar os labios assim raros e leves ●
● sobre minha pele de madeira velha ●
● seu gozo faz bem molha fazendo delirar ●
● a desventrada floresta onde arrancaram ●
● isso q se tornou apenas uma vassoura ●
● seu gozo minha rainha penetra na alma ●
● devastada da minha floresta e vou longe ●
● pra onde mandam levar rapido a rainha ●
● gozo tão intenso q faz renascer em mim ●
● galhos folhas flores azuis e roxas frutos ●
● q se partem e odoram o ar com seu prazer ●
● seus gritos seus uivos ruivos minha loba ●
● recriam a musica q apenas as florestas ●
● sabem tristes e os desertos concertam ●
● goze mais e ria e gargalhe e se contorça ●
● q assim o mundo se revigora sem gorar ●
● assim jorram quentes gotas q borbulham ●
● q estalam como placas de aço e ferro ●
● nos navios q nas tempestades secretam ●
● o nectar q descria mangues e baleias ●
● goze minha rainha goze goze e durma ●
● como se fosse liberta sem a gravidade ●
● do trabalho q fere de joelhos o q respira ●
● quando acordar sabera o q é a morte ●
● sabera o q é viver sabera o q é preciso ●
● pra tornar o corpo a servidão da ordem ●
● goze minha rainha goze goze e durma ●
● cheia so de sonhos sombras e palavras ●
● q é assim q o existir adora e respira ●
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Alberto Lins Caldas publicou os livros de contos Babel (Revan, Rio de Janeiro, 2001), gorgonas (CEP, Recife, 2008); os romances senhor krauze (Revan, Rio de Janeiro, 2009), Veneza (Penalux, Guaratinguetá, 2016), e os livros de poemas No Interior da Serpente (Pindorama, Recife, 1987), minos(Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2011), de corpo presente (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2013), 4×3 – Trílogo in Traduções (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2014, com Tavinho Paes e João José de Melo Franco), a perversa migração das baleias azuis (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2015), a pequena metafisica dos babuinos de gibraltar, (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2016), minha pessoa sob o dominio dos barbaros (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2018).






Imagens: Marcel Janco  




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