Três poemas (para depois) de Silvana Guimarães
aos que vão viver
pássaros peixes & angústias
explodem nas esquinas
corpos cegos sorrateiam o
desejo brutal nas noites caladas
um punhal aceso entrecorta os cantos mais sombrios
fome & vento sede & fogo em um ajuste de contras
as cartas na mesa
a coreografia das roupas no varal
o sol entre os dedos
não amainam o dó estrídulo no peito
da vida as lâmpadas são a invenção mais imoral
e as pessoas são mistérios: todos indecifráveis
entulhos
acordar andar respirar procurar a poesia
esquecida em um lírio atrás das estrelas
apreender o otimismo de platão
aristóteles leibniz hegel & lou reed
desvendar com freud as razões
: para vasculhar a pele em busca
do que espremer do que torturar
embarcar em canoas furadas
ou comer gato por cachorro
& se esfolar em becos sem luz:
enquanto desaba à procura da poesia
esquecida em um lírio atrás das estrelas
por um fio
o mercadinho do bairro abriu suas portas:
olhos perplexos apalpam cebolas & abacaxis
a luz do sol alheia às nossas tragédias
despenca sobre alpendres morros escombros
devagar a vida rosna atrás da sobrevida:
merecemos seguir como os rios & os abismos
um dedo atiça a dor de uma velha ferida quando
percorre a lista de quem não verá a primavera
o coração apertado um poço de nãos & aspereza:
a memória um buquê de papoulas & avencas
[no fundo da pia onde limpo a louça seu rosto me olha
na agenda de telefones seu nome desafia o silêncio]
entre perdas & enganos a nossa maior façanha:
amestrados aprendemos a lavar as nossas mãos
[poemas inéditos]
Silvana Guimarães, escritora, nasceu em Beagá/MG. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi socióloga, especialista em transporte público. Participou de algumas coletâneas, entre elas: Hiperconexões — Realidade Expandida Vol. 2 (Org. Luiz Bras, Patuá, 2014), 1917-2017 — O Século sem Fim (Org. Marco Aqueiva, Patuá, 2017), Mediocridade (Org. Rosana Piccolo e Rubens Jardim, Laranja Original, 2019). Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte e do site Escritoras Suicidas. Publica seu primeiro livro de poesia em 2020. Se fizer sol.
Imagem: josephine cardin
Magistral Silvana, densa linguagem, quase um haicai estendido.
ResponderExcluirBelos poemas. Vamos aguardar o livro sol/o
ResponderExcluirSil, todos excelentes, mas esse "por um fio" dá um nó na lágrima!
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