Sete poemas de Divanize Carbonieri
RUMO
piso
em pedacinhos roxos
flores
em forma de sinos
destroços
menores
dos
meus desatinos
desço
a rua
rumino
penso
comigo
pega
a tua senda
toma
o teu rumo
o
teu caminho
suspenso
interrompido
reencontrado
entremeado
de púrpura
ALUVIÃO
trafegar pelas linhas
feito a seiva que
se translada pelos veios
lenhosos dos troncos
na selva de folhas verdes
entrelaçadas pelo silvo
do vento perfurado
por espinhos afilados
transitar pelos versos
feito a serpente que
se insinua pela vala
funda atravessada de
lama espessa em que
salvínias fecham a
superfície em vários
filamentos e lâminas
tropeçar pelas palavras
feito a aluvião no leito
fluvial transportando
sedimentos em sucessão
atravancando as enseadas
escavando os pontais
transtornando o fluxo
lento da travessia
FOTO
para
o homem morto
diante
da porta
do
poeta morto
certo
dia em Baltimore
instante
prosaico
um
tempo distante
a
vida um recorte
na
foto que fixo
homem
em visita
a
esse apartamento
vê
o item intacto
que
teve o poeta
o
objeto isolado
assim
sobrevive
sem
o pulsar ávido
da
mão que o portava
e
vejo tal foto
desse
tempo extinto
falto
viajante
hoje
já não vive
paro
única viva
observo
o inerte
momento
da morte
que
ainda não tive
ARMADILHA
aquela
cena
que
vem à mente
e
que alucina
talvez
não fosse
tão
feliz
como
parece
o
peso entre
ela
e o presente
lancina
sempre
já
velha
a
gente pensa
é
armadilha
amar
agora
porque
o bom
não
se demora
sobram
pedaços
alegrias
rompidas
só
destroços
a
tristeza tinge
todo
novo
tipo
de auge
ELETRICIDADE
as
hastes de tungstênio
da
lâmpada incandescente
parecem
as molas
dos
stents das novas
pontes
de safena
mas
qual a semelhança
entre
o bulbo no bocal
e
o coração com suas
coronárias
e cavas
a
eletricidade percorre
a
ambos temporariamente
o
corpo vivo
também
é um tubo
iridescente
conserta-se
alguma obstrução
momentânea
mas
haverá o avario
permanente
REBENTO
de boa cepa nasce o rebento por entre
as rochas brotando no território de outros
serpenteia o corpo tenro rumo ao céu
estica ao sabor da intempérie e exposto
como os demais ramos batidos na tormenta
sobe moroso até se tornar tronco inteiro
tora redonda com cúpula bem aberta
na mata tudo parece mesmo sereno
mas bem se sabe que os ipês e as samambaias
como as sibipirunas embatem-se pelo
espaço parco para permanecer sempre
mesmo sem propósito certo na existência
MUSSELINA
o rendilhado na bainha da vestimenta
imita a silhueta de um dragão chinês
ou seria algum dinossauro alinhavado
o detalhe do retalho assim enche os olhos
de quem vislumbra a indumentária toda
de uma passante farfalhando nos tecidos
de tafetá chamalote e tule de seda
se andasse em andrajos também seria vista
por baixo de tanta musselina o corpo
suspira e sussurra sua canção de existir
cumpre o propósito de levar a fagulha
mais longe por toda sua trajetória acesa
Divanize Carbonieri é doutora em letras pela
USP e professora de literaturas de língua inglesa na UFMT. É autora dos livros
de poemas Entraves (Carlini &
Caniato, 2017), Grande depósito de
bugigangas (Carlini & Caniato, 2018) e A ossatura do rinoceronte (Patuá, 2020), além da coletânea de
contos Passagem estreita (Carlini
& Caniato, 2019).
Imagens: Jules Bissier
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