Seis poemas de Rubens Jardim



Ao poeta João Cabral

Ainda hei de estar perto de você
como aquele menino esteve dentro
do canavial: sem bússola e roteiro
e sem este mar imitando as ondas

do derramar da cana. É estranho mas 
o canavial ensina ao mar um amar seco. 
Este é o verdadeiro milagre do canavial. 
E o poeta João Cabral de Melo Neto

que sabia disso, nunca deixou de escutar 
as vozes miúdas que vinham do canavial. 
E eu que não sei nada, nem da terra,

nem do céu, vou beber caldo de cana 
pra trazer de volta a veemência passional
que é a minha cachaça e a minha gana.





Dor sem fim

Isabel é nome de rainha
E foi ela, Isabel, que regeu
a minha vida amorosa lá 
nos anos sessenta. Isabel

era uma menina. Mais que
isso: primeira namorada,
Sopro de vida modelando
o barro inicial das palavras.

Imagem que guardo: Isabel
constrangida e eu desesperado
pelo primeiro adeus, osso que

desenterro até hoje por ter
sido abandonado no corredor
dessa dor que nunca acaba





Encontro

Vera é a dançarina inquieta
que me arrancou da quietude 
e me jogou no vai e vem de 
de seu corpo, mix de treino

trama e trem esfumaçado. 
Lembro de Vera bailando
sua leveza diante das alunas
e eu hóspede de suas asas.

Vera rebrotava dando aula,
esvoaçando pés, pernas e
pantorrilhas. E me abraçava

como se fosse cair no chão
de si mesma. E eu segurava
suas asas. Voávamos juntos






Na sala de jantar

Sentado nesta sala de jantar celebro 
minha solidão e convoco os mortos 
encharcados na lama inicial. Sinto 
falta até do cheiro das sobremesas

servidas em pratos esmaltados.
Ainda assim o tempo me alimenta
com as fatias de um relógio
sem ponteiros. Nunca imaginei

levar meu corpo a tantas despedidas.
Mas a caminhada prossegue. Longe
os sapatos esperam. Os vermes

esperam. Te esperam também
os amados sitiados do outro lado
da mesa: a refeição está pronta.






Mulher é viagem

Toda mulher é uma viagem
ao desconhecido. Igual poesia
avessa ao verso e à trucagem,
mulher é iniciação do dia,
promessa, surpresa, miragem.
De nada adiantam mapas, guias,
cenas ensaiadas ou pilhagens.
Controverso ser, mulher é via
de mão única, abismo, moagem.
É também risco máximo, magia,
caminho íngreme na paisagem.
Simplificando: mulher é linguagem,
palavra nova, imagem que anistia
o ser, o vir-a-ser e outras bobagens





Exílio

Meu exílio não está aqui no meu país. 
Ele está no quintal da Vila Itambé. 
No quarto escuro sem nenhum eco. 
No barco afundado na banheira. 
Na insuportável cama da solidão. 
Nos escombros sem nenhum vislumbre 
que eu próprio inventei para fixar 
aquilo que fui e já não sou: 
sombra degolada, apito de trem 
que já me levou embora desta estação.









RUBENS JARDIM, 73 anos, jornalista e poeta. Publicou poemas em diversas antologias no Brasil e no exterior. É autor de cinco livros de poemas. Promoveu e organizou o Ano Jorge de Lima (1973) e publicou Jorge, 8O anos. Integrou o movimento Catequese Poética (1964), cujo lema era “O lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares”. Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008). Faz leitura pública de poemas, está presente em vários sites e possui o seu próprio espaço virtual: www.rubensjardim.comCriou – e participa junto com poetas de várias gerações – o Sarau Gente de Palavra e o Sarau da Paulista. Durante mais de seis anos, divulgou em seu blog a série AS MULHERES POETAS NA POESIA BRASILEIRA. Desde o ano passado, transformou essa pesquisa em três livros virtuais que podem ser acessados, gratuitamente, através da plataforma ISSUU.

Imagens: Irene Hollimon

Comentários

  1. Emocionante.Sem palavras...

    Um dia hei de estar perto de vc
    Eu queria ter sido a Isabel
    Sou bailarina como a Vera
    Na sala de jantar, em lágrimas, sensivel demais!
    Exílio, lindo e dolorido

    Bjs te amo

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  2. POETA SEMPRE DIVINO, IMENSURÁVEL. TE ADMIRO PROFUNDAMENTE.

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