Quatro poemas de Henrique Duarte Neto

Quadra ultrarromântica

Ah, a memória que tenho de nós dois

Sobrevive em fragmentos, flashes.

Amor? Partilha? Enlevo? Paixão?

Não! Incêndio da carne chamado tesão.

Elegia pelo que não foi, mas poderia ter sido

Os poemas recônditos na alma

Que jamais chegaram a ser lidos.

Os poetas que foram perdidos

Para as atividades cotidianas.

Os amores avassaladores

Rompidos pelas convenções sociais.

Os óvulos não fecundados

Por pura questão de acaso

Ou de probabilidade.

Talvez seja eu o único a lamentar

Por esta realidade não-efetivada.

Por enxergar na chuva somente

A continuação de minhas lágrimas.

E por perceber que em cada

Belo momento da vida

Outros tantos se perderam,

Na virtualidade do tempo,

Gerando um vazio insuportável.

Abismos: poema niilista

Sinto em mim um buraco n’ alma.

Uma desmesura que não encontra

Desafogo, e que me faz sucumbir.

Profeta cotidiano do tédio e da dor,

Galgo lonjuras que me levam ao abismo,

Ao abismo do mundo e de mim mesmo.

Sinto-me asfixiado por uma atmosfera inóspita.

E todo o universo, vislumbrado por mim,

Bode-expiatório, é entrópico, pulveriza-se.

Neste universo sinto-me como Sísifo,

Numa empreitada que não tem término,

Nem muito menos alguma finalidade.

Natureza encantada

A Natureza, tal como a percebo,

Possui sempre um tom primaveril,

As flores, os pássaros, o amor,

Não há um só detalhe sombrio.

Por isso, troco a musa, sem temor,

Por nabo, batata e os frutos de abril.

[Poemas inéditos]

Henrique Duarte Neto, 47 anos, é catarinense, funcionário público, poeta e crítico literário. Além da poesia, é também amante da boa música e do cinema de arte. Estas paixões muitas vezes aparecem em seus poemas. Possui quase uma dezena de livros publicados, entre eles Musas seguidas de poemas filosóficos (Insular, 2019) e Provocações 26 (Kotter, 2019), em que empreendeu o início de seu percurso poético. Prepara-se agora para novas odisseias poéticas com a publicação de novos livros. E-mail: henriqueduarteneto@yahho.com.br.

Imagem: Timothy Vogel