Cinco poemas de Tonho França




Sobre noites e poesia


Tenho nas mãos uma lua e duas moedas antigas
brinco de jogar pedrinhas.
A noite não me traz nenhuma promessa.
Sei onde deixei minhas preciosidades
(Poucas e verdadeiras relíquias – sentimentos)
E que alcança-las, não posso mais.
Já não me pertencem.


O tempo não é o senhor de tudo.
O tempo não apaga tudo.
Até muda o humor das marés e dos homens
cercas e soberanias, domínios e propriedades.


Envelhece aquilo que lhe é permitido envelhecer.


Mas há pinturas em minha pele
Há segredos nos meus olhos
Tantas coisas em meu coração
Intangíveis, por isso minhas.
E só minhas são.
E só minhas são.


E com elas, em noites de poeta e poesia
Brinco de jogar pedrinhas
Com duas moedas antigas
E a lua que tenho nas mãos.


O tempo?
Que passe!
Por mim...
em vão.





Cíclico


Beija-flores e luas de ágata
Tocam nos sinos de vento
Acordes de possibilidades.
Cores de sons e silêncios.
E entre os trópicos
A noite grávida de estrelas
Adormece
Na palma das mãos do mar.





Poema à última tarde


Dentro da palidez dos temporais
Um sol vermelho de corais e flores
Pousa nos beirais de alguns olhos – que ainda podem ver –
Tantas vozes a anunciar um outro ciclo
Presas dentro das espirais do tempo
Grávidas de vida, ávidas do grito
Devorador de silêncios e mitos paraíso.
Rasgando as faces e crenças,
Libertando manadas de anjos malditos
Que cuspiam navalhas sobre os vivos.
Dentro da palidez dos temporais
Quando o sol era mais que vermelho
E mortais eram os corais e flores
Tomei-te pelas mãos
E três vezes falei teu nome
E três vezes lancei-te ao mar
Para que andasse nua pelas ondas
E teu seio claro alimentasse as constelações
E foste o recomeço da vida.
Foi dentro da palidez dos temporais
De uma manada de sóis vermelhos
Que te tomei pelas mãos
E três vezes matei-me





Filho


Quando meu terceiro filho nasceu
Chamei-o de Saul
Tinha cabelos de sol, mãos de terra e alma de pássaro


Às vezes sorrindo falava-me sobre os segredos da chuva e dos ventos
Dormia em meu sonho e frágil alimentava-se de minhas poucas orações
Aprendemos sobre o amor em silêncio e na partitura calma do tempo
Tinhas cabelos de sol, mãos de terra e alma de pássaro
E eu o chamava de Saul


No outono migrava com o quarto de lua crescente
Voando entre gansos africanos e cisnes negros
E seu canto desenhava saudades em diferentes céus


E eu chamava de Saul


Quando meu terceiro filho morreu
Morri mais do que eu inteiro
E seu corpo com cabelos de sol e alma de pássaro
Enterrei em mim, junto aos segredos das chuvas, dos ventos
E as poucas orações que sabia
Por vezes, com pesar, ouço o cantar dos gansos ou cisnes
Dançando na solidão intensa do azul
Acordes do que fora Saul


Mais do que eu inteiro
Meu filho terceiro
Saul





Canto I
Poema dedicado a Celso de Alencar


Ouço cavalos em galopes sobre as ondas
Com asas de amálgamas e serpentes
E cascos de tempo e algas
Dos seus olhos vertia a noite
Entre ventos de fúria e calmaria
Com sete línguas de fogo
Sete mandíbulas famintas
Sete vozes distintas


E todas diziam meu nome


Não vi anjos ou amigos
Nem senti o calor das preces ou salmos
Nem o halo frio das condenações


Apenas o trotar em minhas retinas
Das patas de algas dos cavalos
E a morte em trajes marinhos
Dissolvendo meu nome
Em cânticos de mel e sal













Tonho França, pseudônimo de José Antonio Muassab França, natural de Guaratinguetá, autor de cinco obras e, hoje, editor da Penalux.

Imagem: Bart

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