Cinco poemas de André Merez
esse
aí
o
presidente lacaio
é
súmula do néscio
e
aio da plutocracia
arroto
à mesa
nojo
suportado
pela
fidalguia
e
tem do povo
o
mesmo asco
que
seus amos
têm
de
estar
em
sua
com-
panhia
o
poeta e a lira
Eu
tenho a Lira,
queira
ou não queira, ela está lá.
Perdoem-me
os mal humorados
e
os satíricos por determinação.
Gritem
os seus gritos,
é
tarde, tenho pressa.
Uma
Lira me aguarda,
talvez
não edulcorada,
mas,
sim, é minha Lira.
Nasceu
comigo,
presa
entre a ínsula e o estriado,
exatamente
no meu prosencéfalo.
Mas
ela soa inadvertidamente,
quando
percebo está tocando,
que
se há de fazer, camaradas?
É
a Lira!
É
a Lira!
a
draconiana
a Rafael Braga
Um
Rafael, não o de Sanzio,
não
o da escola de Florença,
mas
o ausente, um franzino,
um
Rafael Severino.
Reduzido
sob a bota pesada,
calado
no estado de exceção.
Um
Rafael pequeno,
de
menos, de nada.
Sem
amor,
sem
justiça,
sem
chance,
sem
lástima,
sem
terror,
sem
a Madona Solly,
sem
desembargador.
Um
Rafael, na vida assim
sem
o que,
sem
como,
sem
onde.
É
só um Rafael no mundo,
mas
é tanto mundo nesse mundo!
É
só mais um Rafael,
mas
é tanto Rafael nesse absurdo!
Rafael
é um,
só mais um,
mas
é todos.
Rafael
é tudo
o que não
pode ser.
Rafael
é tudo
o que não
pôde ser.
carnaval
das coisas do mundo
O
carnaval das coisas,
sua
cor arlequinal, festa imprevista.
A
tristeza súbita e jamais calculada
dos
dias de folia e fel em losangos.
Eu
não fui ao baile,
não
despi as máscaras
nem
vesti as fantasias.
O
carnaval das coisas do mundo
escorria
dos sorrisos e das lágrimas,
tudo
era amplificado mil vezes mil,
tudo
sofria de uma vertigem louca,
e
mulheres e homens a bebiam.
E
lá no longe da madrugada,
a
noite alta e o lança-perfume
tingiam
tudo de alegria insana,
promessas
de amores rápidos
e
de paixões carnavalescas.
Mas,
no meio da orgia,
e
bocas
e
coxas
e
braços
e
seios
e
tudo,
ninguém
viu pela vidraça,
do
lado de fora do salão,
o
anjo trêmulo de desejo.
o
mar e a pantomima
eu
vejo o mar da minha janela, mas
eu
não vejo o mar da minha janela.
não
é esse mar,
nem
outro mais.
não
é minha visão noturna,
meus
olhos turvos e moles,
minha
indiferença resoluta.
não
é esse absurdo,
é
outro.
não
é essa pantomima,
é
outra.
porque
o mar que eu não vejo é meu
e
é mar, e é sonho, e é desejo de mar.
a
farsa e a
pantomima,
não.
não
são minhas,
mas
eu as vejo,
todos
as vêem.
e
o absurdo do mar
é
tão mais realidade
(por
não ser visto e ser)
que
essa pantomima
é
assombro e tristeza,
porque
é absurdo real.
André
Merez nasceu na capital paulista em 1973, iniciou como
letrista e contrabaixista das bandas Cathedral e Siso Símio nas décadas de 80 e
90, cursou Letras e fez pós-graduação em Língua Portuguesa na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Na graduação realizou pesquisa sobre o
discurso do poder na obra de Plínio Marcos e na pós defendeu tese sobre as
relações entre o processo inferencial e as questões de interpretação de texto
na verificação de aproveitamento de leitura. Leciona Teoria da Literatura e
Gramática há mais de 15 anos e desenvolve pesquisas sobre música, artes
plásticas e poesia. É autor do livro Vez do Inverso (Editora Patuá) 2017,
editor da Revista POESIA AVULSA e já teve seus poemas editados em diversas
revistas de poesia no Brasil e em Portugal.
Imagens: André Merez
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