Cinco poemas de Acir Simões




INFARTO

Muito antes do terceiro cantar de um galo
ressuscitando o dia,
negarás amores e angústias.


Deixarás na estação
passageiros sem suas malas,
cães e caravanas a ladrar,
desatinos e esperanças.


Os que embarcam
não sabem que é a última viagem.


Negarás o coração que parte e reparte
e negarás o regresso.








VIAGEM

A inextirpável culpa
de que pouco se fez
ou nada
e o que se deseja em silêncio
(para não espantar os duendes da sorte)
enchem a metade da mala.


Na outra metade vão
os sentidos turvos
(que nos persuadem superioridade)
e as omissões impingidas
aos que se alegram cativos
de nossas companhias.


Num canto cabem ainda
as más ações,
descriminadas em nosso juízo.


Pronta a mala,
seu peso
segue em viagem,
nos carregando.








NA TARDE EM QUE TENTOU SUICÍDIO

Na tarde em que minha vizinha Conceição
Tentou suicídio por enforcamento
no frágil cano do chuveiro,
ela assobiava uma canção nem alegre nem triste.


Eu era muito menino.
Fui tirado quase à força da alcova,
em que foi colocada e convalescia
e fazia confidências do acontecido.


Ao meio de risinhos safados,
entreouvi a palavra Amor
balbuciada pelas outras infelizes.


Tive poucas,
Depois nenhuma notícia.
Conceição deve ter carregado
Nas costas por anos
E por toda eternidade
O patético ato de ter sobrevivido.


Ainda hoje,
quando rumino a palavra amor,
ela vem sempre atada ao gosto
de nós da corda dos enforcados.








O CORPO AÇOITADO

O corpo açoitado
num mugido:
A vida é mais um vício.


Como fere faca, queima ferro
vem a noite cheia de incertezas.
Cocheiras sem milho,
Olhos vazios,
O verde escurecendo.


No pasto,
o amanhã seria o cio
mas não permitem:
boiadeiros, matadouro, morte.








PEDRAS

Penso que já não vivo,
porque quem vive
pouco se vê.


Deveria ser o que se esperam,
inflexível, duro,
cumprir minha obrigação
de não me desviar no meio do caminho
de onde alguém irá tropicar.


Não sei ser
o que deveria ser,
apenas uma pedra.


[Poemas do livro inédito Na barriga do Minotauro cabem muitas outras aflições]












Acir Simões é poeta, com livro inédito engavetado, contista e desenhista aprendiz. Nascido em Cataguases (MG), atualmente, reside em Belo Horizonte (MG).
Imagem: Naomi Chung

Comentários