Cinco poemas de Jonas Pessoa do Nascimento
ANTROPOFAGIA
Urra dentro de mim
um bicho que me coiceia
o peito e o fere
como a um animal
abatido na caçada.
Os lobos uivam sob a lua cheia,
minha pele, descamada,
com a carne pronta para consumo.
A umidade enfraquece
o ânimo, e à tarde,
o bicho embrabece.
O sangue coalhado na vasilha
é o petisco servido
no cair da noite. Os que se
aglomeraram para descanso
remoerão os restos da matéria.
CANÇÃO DE PEDRA
A noite se despe,
agora é a fadiga.
Voltam os homens
mastigando os bagos
do abismo
de seus medos.
Gritam motores -
mentes automáticas –
dilacerando o sossego
da ilusão do repouso.
A sombra se escondeu.
Amanhã haverá sol,
nova esperança,
de se despir da canção
de pedra que ecoa
como fardo deste momento.
LIGAÇÃO
Sou intransferível de mim.
não guardo segredos,
não trago mágoas comigo.
Vivo meu atual,
se sou indecente,
é falácia dessa gente.
Tenho medo de falar,
a palavra é armadilha
para o que fica subentendido.
O canto nos hospícios
é toada inaudível.
O fim está em
tudo que se começa.
O substantivo
já não designa
o que se iniciou em nós.
IDÍLIO
Minha voz,
no teu ouvido,
é afônica.
Não sei
articular as vogais,
por isso te percebo
movendo-se
em mim
para compensar
o que não sei
dizer de ti.
A linguagem,
que importa?
Tenho na mão
a tua mão, pálida,
como um amante
apanhado em adultério.
Agora, a lua escorre,
para perto de nós,
o mar faz da espuma
um doce buquê,
e molha nossos pés
com o néctar
da flor das águas.
Esta areia branca
é testemunha
do amor que a gente vive,
tudo se curva a nós,
as estrelas nos fazem carícias
enquanto em silêncio
contemplamos um mundo
admirado do nosso idílio.
PASSIVIDADE
Debaixo de minhas aflições,
piso um chão,
sem firmeza,
por isso tombo
em minhas fraquezas
sem poder ultrapassá-las.
O distante me horripila,
valho-me do que tenho em volta,
tudo é nada,
silêncio,
como vela
consumida sem alarde.
Bocejo, às vezes, com a
língua presa,
sem nada dizer,
como culpado que cala
perante quem
deseja sentenciá-lo.
Permanecerei calado,
entre os acusadores,
só com o coração
fazendo algum barulho.
Minhas mãos são ásperas,
quase morri na infância,
dias fiquei pelado,
no banheiro, aguardando
a visita ir embora,
hoje, vejo meus contemporâneos
com contrações no ventre,
como quem enfia
a cabeça no ânus
e impede a passagem das fezes...
Jonas Pessoa do Nascimento é cearense radicado em Brasília. É poeta, professor com pós-graduação em Língua portuguesa. Autor de O Grito (2010), Pedaços da existência (2013), Palavras trocadas (2015), Faces da (in)diferença (2016) e Lamentos (2017). Em 1993, foi um dos vencedores do “Salão de Dezembro de Poesia – Prêmio José Sarney de Poesia”, com o segundo lugar nacional. Em 2018, foi vencedor do I Prêmio Amazonas de Literatura com o livro Chão Partido. Possui poemas inseridos em algumas antologias e sites especializados em poesias. No Facebook, é autor da página poética Poesia da vida.
Imagem: evidences
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