Cinco poemas de Iara Maria Carvalho





MÃO DUPLA


onde atravess-
a sensação?









OUT-DOR


chega um tempo
em que a vida
precisa ser em voz alta.









ALEXANDRE


Era amarelo-queimado
o cabelo da minha companheira
de quarto. 
Educadíssima em seus delírios. 
Tomava de oito a nove banhos diários
e ainda temia que camadas e mais 
camadas de solidão
ficassem estampadas em seus braços.
Era devotada, 
tinha uma alegria parelhada com a dor. 
A moça amarela-queimada receava
estirar-se sobre o chão do hospital dos loucos, 
era um medo de não voltar. 
Por isso, quase não dormia. 
Quando acontecia, chamava por Alexandre:
não sei se o imperador ou um antigo amor. 
Alexandre passou a ser meu idílio também
e agora é o nome que faltava em meus versos. 
Alexandre amarelo, pisoteia meus algozes. 
Dormir agora é tão claro.









AINDA QUE SÓ


Era trabalho pra dez homens!
disse Lourdes,
depois que estendeu
sobre a banca
a vigésima ave obsoleta.


O suor correu pelo rosto
e cruel seria o instante
de voltar pra casa
naquele sábado
tétrico.

No dia em que quarenta asas
foram cortadas
e um galinheiro em luto
permaneceria cantando
toda manhã.









INTRANSPONÍVEL


O seu silêncio pesa
como água
em estado algum.











Iara Maria Carvalho nasceu em 1980, Currais Novos, Seridó norte-rio-grandense. É graduada em Letras e mestra em Estudos da Linguagem, pela UFRN. Atua como agente de cultura em sua cidade, através do Grupo Casarão de Poesia. Publicou os livros de poemas Milagreira (2011) e Saraivada (2015). É mãe de Iago, capricorniana e não melhora quando chove.

Imagem: Vilhelm Hammershøi (1864-1916)

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