Cinco poemas de Delalves Costa




Midiaserável

      I
Embora cidadezinhas-províncias
onde ainda galos é tic-tac e fogão
(de barro) a lenha
aquece rio riachos
antropófagas, automatizam o vi-
ver a vida-relógio;
se nem todos libertam as razões
como logo existir
e aspirar o pasmo
à margem da íris o nascer do sol
às vezes não nasce
acentua-se poente

      II
pôr de caos: sono
precipício, acordar poroso. Súbito
a costurar a carne
corpo às 5h: a erguer-se o sistema
a pesar, não os pormenores do sol
e da indigestão, do
ar impróprio e das
artérias com suas vísceras: aclives
declives e enclaves;
sofre o tal homematéria, pernoites
no inabitável sofre-
dor útero invertido

       III
pôr de caos: eletro-
encefalograma para os inconclusos
do agora (o ontem)
corpo às 6h: a língua a fala esvaída
a pesar, não os reversos do manhã
e dos jejuns (do só)
por multidões e do
fluxo com suas urgências: lapsos
relapsos, colapsos;
sobre o tal homemporâneo, noites
(noitadas e acasos)
e horas proteladas

       IV
às 7h30min: por extenso ou digital
apesar, o miserável sem sentir-se
à vista se prende
a prazo o infarto
a contínua morte semanal: a suar
o suor o sangue;
sobretudo, homem-mídia quando
em bolso furado
põe o sal do mês
à mesa da família que acorda pôr
do sol natimorto,
corpo estatística.




Made in Brazil

O catador pão-dormido então acordou
envolto ao frio e vento
sob notícias do jornal.
O café matinal é farto:
folhados, quinhentos-queijos café
expresso londrino pães
leite suíço (vacas azuis)
e sucos do laranjal tipo export.
Made in Brazil, a fome à farta
mesa tupiniquim: suor
de sol a sol bordado com petróleo
e estampa canavieira.
Enquanto isso, brasil
(de ruas viadutos calçadas)
vaga à revelia empurrando
recicru i fasso linpesa,
a língua-urgência de quem quer comer.





O Cobertor-jornal

E de quebranto, o céu da minha boca
conheceu a Noite. A criança
levada de rua, pelos cabelos
arrastada posta aos olhos do caos.
Sempre que nos sepultam
neste mundo vaidoso, condolente,
um súbito mau-olhado desalinha-
se os gritos a infância toda
pede socorro a quem cerra os dentes.
Quer-se fôlego? Suplica-se!
Lua, estrelas de férias no bocejo
não iluminam o cobertor-jornal
sobre o feto já sem útero.
Nessas horas ninguém vê nada:
até vento atravessa a rua
para não acordar a pátria
entre as notícias que já não sonham.





A Tela, o Rio e o Parto

De um céu pintado de pássaros molhados
partem os olhos que estampam a tela
por que não chegam aqui
(nesta terra que agoniza em agoras)
pra este fim que fertiliza inícios
a sede dos rios enquanto
partem atrás do céu
qual tela, espera um filho
moldura dos nove meses
e voa, a ave desorientada
é previsão de dias molhados a estampa
em voos que partem de um rosto
esboçando o nosso choro,
e choro um pingo de tinta que no papel
encharca este poema
e mata a sede na tela
ao fertilizar o rio com as cores do parto.





O escritor, a escrita

         I
não saber quem se está
(manifesto além de nós, fora
do tempo) é esperar-se

sob oliveiras, pequeno
e noturno. Se se morre
sem poesia é porque o susto
não ocorrendo, pedra se faz

         II
no texto raso é fundo,
o raso é Rosa.
Se o escrevente
perfura poços
o escritor extrai água

         III
pra cada pedraimagem
o amor polidez, concreto
corpo na ponta do lápis
ser/não ser escultura
primitivo, operário de palavra
(palarva pobre) a refletir lama
chuva esculpida, escrita
na língua da lâmina!








Delalves Costa (1981 – Osório, RS), escritor e poeta com nove livros solo e publicação em plataformas literárias impressas e digitais e em coletâneas, no Brasil e em Portugal. É sócio-fundador e membro honorário da Academia dos Escritores do Litoral Norte (AELN/RS) e sócio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Os livros mais recentes são O Apanhador de Estrelas (Class, 2ª ed. 2020) e extemporâneo (Coralina, 2019; reimpressão, 2020). Esporadicamente, publica ensaios na revista de circulação nacional Conhecimento Prático Língua Portuguesa/Literatura e artigos científicos (revistas, livros) e capítulos em livros acadêmicos. Em 2019, foi um dos 60 autores gaúchos selecionados para o Projeto Autor Presente, do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação (Uergs). Graduação em Letras Português e Literatura Portuguesa (Unicnec). Profissionalmente, atua como professor de Português, Literatura e Metodologia de pesquisa na rede pública estadual de ensino. Pesquisador e palestrante nos Campos de estudo: educação, diretos fundamentais e de colonialidade; currículo intercultural e protagonismos educativos; literatura contemporânea; direito à literatura e à leitura; e diálogos entre literatura, história e culturas locus-regionais. Delalves Costa (nome artístico de Anderson Alves Costa).

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