Cinco poemas de Dagmar Braga















Ensaio

assim
aos poucos
vai-se dissipando

o riso
o cheiro
a voz

o nome do amigo
o amor
jurado e abjurado em sangue

diariamente o tempo ensaia a grande noite

Arqueologia – Editora Patuá, 2016





Inventário

eu te dou de presente
esta memória

– nuvens e sinos no entrecorte de vales –

um sonho redimido
entre paredes caiadas
unguentos
maldizeres

esta noite insone que me arrasta
e o despudor
                    do corpo

afeito ao teu desejo e desatino

Arqueologia – Editora Patuá, 2016













Infinitude

Ao derredor do tempo  
(sorvo de luz e sombra)
o labirinto assoma

Não há porta que se abra
nem sinal que nos sustente

O desafio 
é a tessitura e o fio

Não há rastro ou memória
na solidão do exílio

Tudo – a um só tempo –
é pressentimento /
origem
tédio/ espelho

Secreto e imenso – sempre –                       
o meu e o teu delírio.   

Geometria da Paixão – Anome, 2008






e agora, deus, o que fazer de ti?
como amparar
a imensidão
que tomba sobre a minha noite?

não vi teu rosto
não ouvi teu grito
apenas a este exílio é que me prendo

ao verbo insano
que pretendo
ensaio
recomeço
( sem pertencimento )

como aplacar em mim o desatino
de uma noite que tomba
sobre um deus

sem rasto    
deverbal
silêncio?


Geometria da Paixão – Anome, 2008
 











os homens ásperos derramam sobre o mundo
palavras intestinas 
gotejam fel
sangram corpos e sonhos

nunca se aninharam
à espera da névoa
e da luz
de uma certa manhã antiga e calma

os homens ásperos se aliam e se vendem
como se detivessem o verbo
e a verdade
como se consentissem a vida e suas bênçãos

cegos e rebotos      divertem-se a lançar
garras pontiagudas sobre nossas cabeças

eles nunca saberão a cor dos teus olhos
eles apenas se fartam de noites e tempestades

em todas as línguas

inédito










Dagmar Braga – (Pitangui / MG). Cursou Letras (PUC) e pós graduação em Literatura e em Jornalismo. Dedica-se à promoção das Artes, no Espaço Cultural Letras e Ponto, em Belo Horizonte. Organizou as antologias Noites de Terça (2007) e Oficina da Palavra (2011) e Nas Noites de Quarta (2019). Finalista do Prêmio Jabuti com Geometria da Paixão (Anome), publicou Arqueologia (Patuá, 2016).










Imagens: Ligia de Medeiros
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