Cinco poemas de Carvalho Junior















gato-do-mato

não se domestica um poeta.
o poeta é um gato-do-mato
perseguindo a cauda
do vento selvagem.






araruta

somos feitos
das mesmas fomes
dos nossos pais,

das mesmas lenhas
que os guardaram
do frio súbito das noites
caseadeiras de exílios.

de vez em quando,
ouço de longe
a voz da lágrima
do meu pai
e de minha mãe.

um quintal de ararutas
nasce dentro
do chão cansado
dos meus olhos.

 

 

 

 








a semente única


lanço a semente única
nas fendas bruscas do solo
e, sob um sol intenso,
lembro do teu riso de melancia da roça.

esqueço de tudo e,
deitado à sombra da casa de palha,
bebo o líquido da cabaça onírica.

quando desperto, com o corpo ferido
pelo gatilho da arapuca do eterno,

testemunho o efêmero das estações
e amarro os cadarços roídos
dos sapatos do lagarto da alma.






o silêncio do amor quando acaba

o silêncio do amor quando acaba
caminha, em desespero,
na cata de sementes perdidas.

o silêncio do amor quando acaba
escoiceia o vazio diante do corpo
e lateja como um furúnculo sob a pele.

o silêncio do amor quando acaba,
este que não havia caído antes da segunda corda,
distrai os suicídios, aos domingos,
nas covas das petecas de alegria trincada.

 

 

 

 







pelos chãos da malícia pulsativa


da voz conselheira de meu avô,
tua coragem em me levar, mãe,
pelos chãos da malícia pulsativa,
entre arapucas rachadas de sol,

sob o canto religioso dos azulões,
com os pés em vitória sobre as corcundas
espinhosas dos caminhos da roça
e a desconfiança das sementes não vingadas.

do fogo que me marcou o corpo,
tua habilidade em me mergulhar no rio
do teu perene afeto, me sarar
e me salvar do não existir.

a cacimba do teu olhar me protege
dos afogamentos que o carrasco funda.












CARVALHO JUNIOR (Francisco de Assis Carvalho da Silva Junior, Caxias/MA, 1985). Professor, ativista cultural, gestor público e poeta brasileiro. Vencedor do Troféu Nauro Machado no I Festival Maranhense de Conto e Poesia (Universidade Estadual do Maranhão, 2015). Publicou os livros de poemas Mulheres de Carvalho (Café & Lápis, São Luís, 2011), A Rua do Sol e da Lua (Scortecci, São Paulo, 2013), Dança dos dísticos (Editora Patuá, São Paulo, 2014), No alto da ladeira de pedra (Editora Patuá, São Paulo, 2017) e O homem-tijubina & outras cipoadas entre as folhagens da malícia (Editora Patuá, São Paulo, 2019). Organizou a antologia Babaçu Lâmina – 39 poemas (Editora Patuá, São Paulo, 2019), tendo organizado também, no ano anterior (2018), em parceria com o poeta Antonio Aílton, o caderno de poemas/antologia Quibano: 15 poetas do Maranhão (Appaloosa Books). Membro da Academia Caxiense de Letras e da ASLEAMA, pesquisa vida e obra do poeta Déo Silva. Realiza, com algumas parcerias, o sarau/encontro de poesia Na Pele da Palavra e faz parte dos coletivos de autores Academia Fantaxma e Os Integrantes da Noite. Participou com o poema Abrigos da Exposição POESIA AGORA (Itaú Cultural, Rio de Janeiro, 2017).  Foi o curador da Exposição SEMENTES DE POESIA, em Caxias/MA, no espaço do Caxias Shopping Center (2018). Edita a página de poesia Quatetê. Tem poemas publicados em jornais, antologias literárias e revistas tanto do Brasil como do exterior.









Imagens: Antonio Bandeira  

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