Três poemas de Éle Semog














RETRATO

Perdi o movimento
do ciclo
virei domesticado,
bicho de circo
desprovido de sentido
e dialética.
Aceitei tanto as grades
que me transformei em jaula
e me prendi dentro de mim.











ELEGÂNCIA

Vou varrer você
do mapa das minhas emoções.
Talvez eu não consiga
é perder esse gosto de fel
que você deixou em mim.
Mas isto não faz mal,
eu sempre quis ser
meio amargo mesmo.











ENREDO (fragmentos)

       duas flores
A primeira flor quando se viu
diante da única flor
pensou que a vida
fosse apenas um espelho
em que o virtual
elucida as seduções
na natureza humana
... não percebeu o caos do tempo,
não deu-se conta que a primavera
também contém os seus tormentos
e tumores.
      objeto político
Quem não se ama
não tem como amar o povo.
Até pensei lhe dedicar filosofia,
mas tudo que pude
foi lhe ver entre as pessoas,
feito multidão de mim em desespero,
pendurada na sacada do Amarelinho
enquanto eu próprio me perdia
em vão discurso,
tentando entender tantas democracias.
E caminhando ali pelas loucuras
a Cinelândia fez-se praça dos romanos,
os teus sentidos era um Cesar tão insano
e o meu coração era um povo reprimido.
... só restou mesmo
a clemência de um chope.
Saí dali com a certeza que perdi,
o peito amarrotado e uma vontade de chorar,
pois eu sabia por tudo que já sofri
que não vivi antes tanta crueldade
como aquelas que você cometeu.







Poemas e fragmentos de poemas do livro “Curetagem”. Rio de Janeiro, 1986.










Éle Semog é poeta e contista, reside na cidade de Nova Iguaçu-RJ. Fundou o Grupo Negrícia Poesia e Arte de Crioulo. Seus mais recentes livros de poesia são: “Guarda pra mim”, “Tudo que está solto”, e “A cor da demanda”, além da organização da antologia “Amor e outras revoluções”.














Imagens: Ligia de Medeiros
Todos os direitos reservados © Ligia de Medeiros


Comentários

Postar um comentário