Seis Dores de Solidão e o Mar, de Lívio Oliveira




(I)


Rochedo e sono


Inaugurada a tarde interna – esforços bravos
firmam-se em mirar entre as palhas secas: vidas
lá longe o frio se arrasta leva a folha ao fundo
dos meus olhos que explodem ao meio-dia ainda
em cataclisma em catapulta aleatória.


Há os ventos que penteiam a duna inteira
e as faíscas que pulam das areias duras
se aliam ao mar que cabe dentro hostil
armando os templos imemoriais
enfrentam rochas: barco só e tosco.





(II)


Barulho e caverna


Ouve os sintomas das marés que avançam
molhando os corpos das razões e so(m)bras
os sais brilhosos das costas e testas
não refletiram o marco firme o umbigo
do oceano que adentrou o milênio.


Força agora um tempo estranho e roto
de multidões de caranguejos vagos
cascas que rolam soltas – superfície 
prateada: a juba cheia atlântica 
recuada ante os mais fortes ventos.





(III)


Despertar atônito


As tais surpresas transportaram em ondas
aterrissaram em margens assimétricas
foram tragadas do mar alto em torno
vieram brancas como voz em vibrato
as velas ornamentais dos inibidos passos.


Estar à margem não era então vergonha
havia um ponto em que engolia algas
alimentava a luz do sol tardia
a primitiva explosão em mar vulcânico
que se espalhava em sobejos ardidos.





(IV)


O delírio aceso


Custava tanto entronizar o santo
dos rudimentos que chegavam em barco
assoviava então canções de esperanças
mergulhos sonhos que escalavam locas
onde as cores afiavam os dentes.


Até a tona o ritual seguia
incandescente dentro dos pulmões 
robustos peixes rotundas aves
chegavam remos aos portões da noite
salvando o dia ainda não guardado.





(V)
A voz devagar


Era no mar e não havia espasmos
que impedissem a correnteza bruta
escorregando em meio aos corpos nus
carnes abertas seios de sereias
bocas imensas de arrecifes negros.


Tudo era tragado e o urro lento e forte
ditava horas para os navegantes
de dentro a pedra e a canção de fé
de uma criança solitária e inerme
ousada em crença de retorno à terra.





(VI)


A dor ainda


A intensidade da dor lancinante
causava estrondos nas falésias – montes 
de pés sobre o mar pisando a enseada
redesenhando as posições dos homens
que se jogavam em loucas aventuras.


Não eram incautos eram somente ilhéus
que se lançavam das graves alturas
buscando rotas que acalmassem prantos
feridas que se rasgariam ao vento
o sangue: mistura ao mar e ao sal.





(VII)


Derradeira ilha


Apascentada em luminosa estrela
virou o raio a direção eleita
até o ponto em que o brilho elevava
a nova fé que aproximava margens
demoliu dores resgatando o sonho.


Os continentes até então distantes
se religaram estreitos monumentos
vencidos demônios de escurecidas almas
o sol retorna à margem à praia ao dia
e o que era ilhado agora é continente.










Lívio Oliveira é advogado público federal e poeta. Foi vencedor dos dois principais prêmios literários do Rio Grande do Norte. Lançou diversos livros de poemas e também um de ensaios. Também escreveu as letras para o CD Cineclube, lançado em parceria com o músico Babal Galvão. Participa ativamente da cena cultural e artística do Estado. É membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, da UBE/RN e do IHGRN. Escreve semanalmente no jornal Tribuna do Norte.

Imagem: Katsushika Hokusai (1760 - 1849)

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