Cinco poemas de Roberta Tostes Daniel
O vento de Setembro bate
nos beirais das casas
meu corpo é um
segmento confuso da paisagem.
A garota loira atravessa a rua e eu a atravesso pelo lado.
Quando ela me vê ao seu lado, observa-me em detalhes
nada que me isole.
O adolescente barbudo com pinta de árabe também flameja
junto ao chão de cimento
aguarda mais refugiados.
Um animal exposto ao tempo.
A tarde queima sem alarde.
Chego ao meu prédio, as plantas chicoteiam o ar
um princípio de abstração.
Está prestes a anoitecer na selva que sou.
Terrivelmente, a poesia se encontra em outro lugar.
Desesperadamente, ouço música.
E penso que seu corpo é uma alegria tão silente
e que minha voz basta para tentar fazer daqui o meu lugar.
Sigo uma antiga canção.
Quando o poema está alegre, acredito na alegria.
Não aceito, no entanto, mesmo do poema
que viole meu corpo
como uma ave desperdiçada, um bicho banido
uma carne supurada, morta
ainda assim, aberta.
A garota loira atravessa a rua e eu a atravesso pelo lado.
Quando ela me vê ao seu lado, observa-me em detalhes
nada que me isole.
O adolescente barbudo com pinta de árabe também flameja
junto ao chão de cimento
aguarda mais refugiados.
Um animal exposto ao tempo.
A tarde queima sem alarde.
Chego ao meu prédio, as plantas chicoteiam o ar
um princípio de abstração.
Está prestes a anoitecer na selva que sou.
Terrivelmente, a poesia se encontra em outro lugar.
Desesperadamente, ouço música.
E penso que seu corpo é uma alegria tão silente
e que minha voz basta para tentar fazer daqui o meu lugar.
Sigo uma antiga canção.
Quando o poema está alegre, acredito na alegria.
Não aceito, no entanto, mesmo do poema
que viole meu corpo
como uma ave desperdiçada, um bicho banido
uma carne supurada, morta
ainda assim, aberta.
A luz de Iorranã
O pijama de uma mulher
morta
tem as latitudes do meu corpo
e o tom de azul dos que acreditam num céu.
O pijama da mulher morta
é agora de minha mãe.
Eu o visto na noite absoluta.
Transtornada na pálpebra da insônia.
Eu me aproprio da forma insegura do vazio.
Da dor de uma mulher morta.
Sou mais alta e mais magra.
Nunca se deu por vencida.
Ressaltam os pequenos seios
que se tocados se enfurecem.
Há algo do que não viu e do que não bebeu
varrendo o desencontro.
Há a certeza do cuidado pela forma
lancinante do amor.
Não nos vimos.
Eu a visto.
Acabo de matar um inseto.
Visto uma mulher morta.
tem as latitudes do meu corpo
e o tom de azul dos que acreditam num céu.
O pijama da mulher morta
é agora de minha mãe.
Eu o visto na noite absoluta.
Transtornada na pálpebra da insônia.
Eu me aproprio da forma insegura do vazio.
Da dor de uma mulher morta.
Sou mais alta e mais magra.
Nunca se deu por vencida.
Ressaltam os pequenos seios
que se tocados se enfurecem.
Há algo do que não viu e do que não bebeu
varrendo o desencontro.
Há a certeza do cuidado pela forma
lancinante do amor.
Não nos vimos.
Eu a visto.
Acabo de matar um inseto.
Visto uma mulher morta.
Gênero
Quando digo fêmeo
pareço soar poema
no feminino
me interessa avançar
na ampliação de
substantivos
válidos a significar
quase a mesma coisa
fruir como escaravelho
por superfícies –
metáfora de um sexo
antigo, cujo nexo
não me interessa lapidar
a troca de uma coisa
por outra
na mesma coisa
comum de dois
tão comum
tentar velhos artifícios
velhos
ninguém lembra
então chegar a um
tipo de raridade específica
onde é possível ao fêmeo
o gêmeo e o depois
do arco-íris da reticência.
Incendiárias
Ingeborg e Clarice
sob as chamas do dedo
invulgar
acendem um cigarro
tisnado
de realidade.
A noite
adjacente
o brilho
caligrafado.
Por muito pouco
a morte ronda.
Cogito
não pensar em quase nada
talvez, numa agonia lenta
vítrea, pela madrugada
não pesa quase nada
o suspiro de um bicho
o desenlace a desandança
a grande conversão
da flor
em água
nestes dedos demorados
voejando a duração
o desfazer antigo
não pensar em quase nada
a morte é uma flor,
disseram
eu me rendo à flor
Roberta Tostes Daniel nasceu no Rio de
Janeiro. Publicou os livros Uma casa perto de um vulcão (Patuá, 2018) e Ainda
ancora o infinito (Moinhos, 2019). Participou das antologias Sob a pele da língua – breviário poético
brasileiro (Arc Edições), Um girassol
nos teus cabelos – poemas para Marielle Franco (Quintal Edições), Desvio para o Vermelho (Centro Cultural
São Paulo), entre outras. Seus poemas também foram publicados em sites e revistas literárias, tais como:
Gueto, Germina, Mallarmargens, Zunái, Polichinello, Incomunidade,
Liberoamérica.
Imagens: Park Seo-Bo
Comentários
Postar um comentário