Cinco poemas de Fabiano Calixto
EU
QUERIA fazer um poema
à
maneira clássica chinesa
montar
num grou amarelo
&
passear bêbado
pela
terra dos imortais
(me
imaginando Li Bai
breaco
morrendo
na
tentativa
desesperada
de
agarrar o reflexo da lua
numa
imensa lagoa)
eu
queria
encher
a cara contigo outra vez
(aliás,
o que mais
eu
poderia querer?)
queria
te levar para um passeio
intergaláctico
num
dragão vermelho
que
tem um dragão azul
tatuado
na cauda
mas
ao rés do chão
tudo
são cinzas
como
no amor
&
depois da chuva
o
asfalto torna-se um espelho
de
lágrimas
dos
solitários da cidade
(um
poeta chinês da dinastia Tang
diria
que
depois
da chuva
o
pessegueiro é ainda mais vermelho,
como
o coracão recém-arrancado
do
inimigo)
tudo
está longe agora
muito
longe
enquanto
alimento o grou amarelo
com
amoras muito vermelhas
penso
que teu sorriso
resume
o sol de três primaveras
in
Jurubeba blue, 2015
VERSOS
DE CIRCUNSTÂNCIA
eu
não entendia
e
ela se mexia tanto ao meu lado
e
aqueles bancos apertados
o
ar condicionado gelando
tudo
(os brincos dela,
o
meu humor)
mais
de uma hora cruzando
ruas,
avenidas, parágrafos -
o
livro gritando alto
para
um mundo ensurdecido
depois
de arrumar-se mais
algumas
dezenas de vezes
o
sol já estava no meio do céu
quando
ela se levantou
foi
então que percebi que três
pequenos
pássaros
voavam
em suas costas
in
Sanguínea, 2007
RUÍDO
ÚMIDO
o
amanhecer é triste
a
lua ainda expulsa
à
pia da manhã
os
últimos uivos dos cães
vermelho
amarelo prata
despertar
é despedida
(com
um lenço quadriculado
na
cabeça, um elegante
sobretudo
claro, mirando
algo
delicado do outro
lado
da rua, as mãos nos
bolsos,
rindo, sabemos que ela é
Sylvia
Plath, e que, depois de tudo,
a
palavra vida não
a
levou de volta para casa)
chuto
pequenas pedras
observo
pequenas trevas
que
ainda sobram nas lacunas
ornamentais
e fixo
o
desalento
in
Sanguínea, 2007
DA
CIDADE
na
pior das hipóteses
ainda
há uma chuva
que,
de vez em quando, que,
cai
sobre esse declínio civilizado.
sobre
essas palavras que saem ocas.
sobre
essas máquinas:
mas
a chuva ainda não é nada.
a
chuva atrasa, sempre.
o
distúrbio dos espaços em
nosso
campo de visão minimizado.
um
exagerado estrangulamento de tempo.
essa
é a língua. pior: essa a linguagem.
(ainda
hoje,
no
estacionamento da faculdade,
as
árvores floridas
sequestraram,
por
um momento menos que mínimo,
minha
atenção. e nada ficou.
nem
uma cor. nem uma brisa.)
in
Música possível, 2006
CANÇÃO
NATURAL DO MUNDO
os
dias passaram ausentes.
não
nos muros.
o
futuro, em disfarces,
coube
antipático sobre
a
linha do horizonte às cinco da tarde.
os
dias passaram rápido.
não
no trem. não o ônibus. ou a espera.
os
dias,
como os cigarros,
com a esperança,
como os cadernos de
rascunho,
acabam.
in
Música possível, 2006
Fabiano Calixto nasceu em Garanhuns (PE), em
8 de junho de 1973. É poeta, editor e professor. Vive na cidade de São Paulo com
Natália Agra. Doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela
Universidade de São Paulo. Publicou os seguintes livros de poesia: Algum (edição do autor, 1998), Fábrica (Alpharrabio Edições, 2000), Música possível (CosacNaify / 7Letras,
2006), Sanguínea (Editora 34, 2007), A canção do vendedor de pipocas
(7Letras, 2013), Equatorial
(Tinta-da-China, 2014) e Nominata morfina
(Córrego/Corsário-Satã/Pitomba, 2014). Fliperama,
seu próximo livro, será publicado pela editora Corsário-Satã.
Imagens: Fayga Ostrower
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