Cinco poemas de Dudu Galisa




LABIRINTO

a fuga é noturna
e a cada passo
há um labirinto.
o riso ínfimo
camufla teu
grito no sonho
infindo.
há um lapso
que insta ávido
e do outro lado
há um chão
movediço.







REPOUSO

o dia se recolhe
na urgência dos mortais,
nos seus afazeres repetitivos.


à noite, à hora morta,
invade mansamente
a solidão daqueles
que divagam sem destino.







A CHEGADA

Aqueles que me adotaram
na madrugada fria de 1974,
às vésperas do Natal.


Aqueles que me fizeram sala
sob olhares estupefatos,
interromperam suas récitas.


Aqueles que entornaram
o gosto amargo do vinho
e murmuraram impropérios.


Aqueles que não diziam nada, 
apenas enroscavam fumaça 
dos velhos charutos cubanos.


Aquele que, em sua introspecção, 
tocava J. S. Bach e o dedilhar
no piano me confundia.







O RUÍDO DAS ILHAS
para Salgado Maranhão

O ruído das ilhas sangra o estranho
crepúsculo que se transfigura num
falso e silencioso desalento.


O ruído das ilhas me lança numa manhã
atemporal entre um tempo que azáfama
e um limite que ecoa o ócio.


Habitá-lo na estranheza dos deuses
é repousar na linha tênue do tempo,
é respirar os eflúvios das fábulas de Esopo.


Habitá-lo na estranheza dos deuses
é suspirar a última bondade,
é alimentar o ventre da noite
para velar sonhos em gestação.







OLHOS NA PENUMBRA
para Jorgeane Costa



I
A omissão que nos
amputa o ócio


(não nos conta
a lenda épica)


entre tortuosos
caminhos que nos
destina a senda.


II
A digressão que nos
torna invisíveis


(sob musgos hibernais
de muros decadentes)


ante a culpa de um
condenado silente
à espera da morte.


III
Depreende-se
esse fantasma
que habita o silêncio
como quem turva
as águas impuras
no dilema e no feitio
das formas.


IV
meia-luz tudo é assombro,


(os olhos transidos e fixos
na passagem do tempo)


à meia-luz tudo é penumbra,
a mão que corta, ignora
o escuro e a fotografia de Pound


tudo se faz breu quando
se finda a noite na tua
pele nua.


V
A voz que evoca
o escárnio riso


onde tudo para sob um
tempo imóvel
gargalha na ínfima
ignota noite
que se esvai anímica.









Dudu Galisa [Timon-MA, 1974], é poeta, ativista cultural e literário. Ganhou em 2019, 1º lugar, o Prêmio de Poesia Novos Autores – Cidade de Teresina, com o livro de poesia Olhos na Penumbra, que será lançado em março deste ano. Foi um dos organizadores do sarau Flores Literárias, realizado em Timon-MA e idealizado pelo notável poeta e letrista de música Salgado Maranhão.

Imagem: Joel Ormsby

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