Cinco poemas de Salomão Sousa
Hoje podem me visitar com narrativas bem banais
A sobrinha Hariclía para passar a tarde
e poderá arremessar no lixo os meus livros
depois de contar as inutilidades da existência
de uma corcova em outro país, da malícia do fungo
que enfeita as cascas de árvores e de frutos
A sobrinha Hariclía para passar a tarde
e poderá arremessar no lixo os meus livros
depois de contar as inutilidades da existência
de uma corcova em outro país, da malícia do fungo
que enfeita as cascas de árvores e de frutos
Não alegarei que tenho de visitar Hari
ou de denunciar o serralheiro a surrar chapas
sobre os telhados de decadentes viúvas
Não usarei de subterfúgios para espantar o que chega
Quem for a visita em Alexandria irá se sentar
em limpas cadeiras de aveludados farrapos
e ouvirá os poemas Itaca e O Deus abandona Antônio
ou de denunciar o serralheiro a surrar chapas
sobre os telhados de decadentes viúvas
Não usarei de subterfúgios para espantar o que chega
Quem for a visita em Alexandria irá se sentar
em limpas cadeiras de aveludados farrapos
e ouvirá os poemas Itaca e O Deus abandona Antônio
Com uma visita não estarei enfermo
no frio hostil aos meus ossos na rua das ameaças
A visita poderá rejeitar os feitos de Hafiz,
assumir que não há fome, que não há incêndio,
o destroço numa encosta ou cajás grátis
só porque são ácidos e de entremeadas nervuras
Dourada sineta aguarda quem a acionará
no frio hostil aos meus ossos na rua das ameaças
A visita poderá rejeitar os feitos de Hafiz,
assumir que não há fome, que não há incêndio,
o destroço numa encosta ou cajás grátis
só porque são ácidos e de entremeadas nervuras
Dourada sineta aguarda quem a acionará
PRAGAS
Conseguisse em mim, num barco, num percurso,
cravar uma haste de conciliação.
Não emergissem as pragas da água leitosa,
na fenda das árvores o urrar do urso
ou no rosto a crosta a escamar constante.
Não perdesse o ritmo, mas é dissoluto;
não perdesse a vida e é reclamado o fluxo
de fazer tóxico e de mover disléxico.
Dispensada minha contribuição
e nascem ao pé do poste, nas menores gretas.
Nem desejo nomeá-las as sete pragas,
arruinaram no Egito e não liberei a calçada.
Enraízam no meu descanso, comem
a consciência de quem as nomeia.
Quem espalha as sementes,
quem seca o fruto com as pragas nomeadas?
E quando nascem entre sucatas,
ralando em lixos porosos como descarte?
Aprovados os quatrocentos agrotóxicos
e nem se intimidam as pragas. Não dei
brecha e nascem sobre os esgotos,
florescem confiantes que são úteis.
As pragas não respeitam a entrada restrita;
são achadas no rachado do catre e no dossel real.
GOETHEAMA
A espuma foge como o ar
nas bolhas de sabão
e na imaginação que viaja
Em cada bolha
olha um planeta
um meteoro de granito
Aos sopros
o menino cria o infinito
se todas acabam espocadas
sabe que é por pouco
a duração do finito
e que somos
invólucros pro nada
*
Não há a virada da esquina, do barco
a água a arrancar os caibros, as janelas
a ferrugem a apodrecer os cercos do tédio
Falta-nos a emboscada
a borduna nas têmporas
as esporas nas vísceras da vontade
Falta-nos alguma derrota
o descomedimento, a rota das Índias
Ao que apontar a boca da espingarda
e se não há caça, e se não há poldro
a beldroenga entre as leiras
Passam alimárias e não montamos
Passam as asas e passam as viagens
E nenhuma ranhura no casco!
E ficamos em nenhuma borda de abismo
Só este lodo, esta lesma
as futricas, os processos renumerados
exames refeitos, glicose, colesterol
Resta invejar quem contratou
quem vai dar o próximo passo
quem irá gastar o resto de pólvora
derramar a tina do desejo
Nem a desventura de estar em campo
perder o jogo e sair na vaia
Não há cordoalha para puxar
Lodo para afundar até os olhos
Não há Troia
para impedir de ser ateada em fogo
*
Esta é a única vez e venho me oferecer
ao primeiro que chegar com os regalos
Será belo o regalo dos corós
após a podridão da madeira
Será belo o regalo das frestas
por onde despejar o balde de ofertas
Traga alguma crista de ouro
para despejar entre meus braços
É tão pouco tempo
para perder, não se desgastar
Perder-me entre alguns gestos
Nalguma face que houver
mesmo que muda e sem pressa
A lenha está toda amontoada nas veias
e antes da visita da podridão
quer arder com o furor do relâmpago
Para atraso de qualquer prazer
desnecessário qualquer chuleio
É belo o regalo dos corós
É belo o regalo dos pássaros
E mais belo o regalo do fogo
Desnecessária qualquer viagem
Apenas esta madeira que tudo aprendeu
Apenas acendê-la dá-la ardê-la
ligá-la numa cavilha
Para que a noite se é o dia que mostra?
Havia o arrozal e eu nada sabia
dos regalos das cavas do desejo
Por pura euforia de nebulosa que nasce
espalho-me na maciez da palha
Os cachos do desejo estão prontos
granados na pura madureza
Oferecer-me ao que tem crise
histeria e até gravames
mas saiba voltar ao floreio
e se fartar na colheita
se esta é a única vez
Salomão Sousa. Silvânia (GO), formado em Jornalismo pelo CEUB. Jornalista, assessor parlamentar, poeta, crítico, blogueiro. Mora em Brasília desde 1971. Jornalista concursado do Poder Executivo. Em 1979, lançou A moenda dos dias, seu primeiro livro, o qual foi saudado em Harvard à época do lançamento e que comemora 40 anos de publicação agora em 2019. A bibliografia de Salomão Sousa inclui 13 livros de poesia, dois de críticas, organização de três antologias com autores de Brasília, edição de publicações marginais e 19 números do zine Chuço, bem como a participação em antologias e publicações em jornais, revistas e sítios da internet, e a manutenção de três blogs. Além de outros prêmios, recebeu, em 2011, o Troféu Tiokô, da UBE-GO. Recebeu em 30 de agosto de 2019, em Goiânia, o Diploma de Destaque Cultural do Ano, concedido pelo Governo do Estado de Goiás. Nos últimos anos, participou de encontros literários na UNAM, México; e, ainda, no Peru, Equador e Colômbia. Integra a direção da Associação Nacional de Escritores e é membro da Academia de Letras do Brasil (ALB) e da Academia de Letras, Artes e História de Silvânia (ALAHS). Em 2019, sua obra foi estudada em um capítulo do trabalho Poesia brasiliense em dez atos, do Prof. Alessandro Eloy Braga (https://coelhosdaselvaedit.wixsite.com/meusite), com previsão de sair em livro impresso em 2021.
Imagem: Jean-Baptiste-Siméon Chardin (1699-1779)
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