Cinco poemas de Carla Kinzo














a distância entre duas pessoas pode ser medida
em metros, centímetros
pode ser atravessada por uma ponte
e pode ter o nome de um mar
pode ainda não caber nas horas
em que nos curvamos sobre selos, carimbos
de cartas que não sabem dizer
dos territórios que percorreram
fronteiras, meridianos
linhas sobre mapas
ou desta tarde de sábado
em que me oriento em sua direção
sem endereço, sem bússola












é quando inclina o rosto ligeiramente à direita
e empurra os óculos que escorregam
pelo nariz de volta aos olhos
sempre com o indicador
ou ainda pelos cabelos
pelo modo escuro que caem
na testa que repete desde o nascimento
essa outra face
ela começa a vincar nos mesmos lugares
respondendo aos anos com o rosto que a precedeu
como se voltássemos sempre de onde partimos
como se tivéssemos partido de mais longe











às vezes somos a memória
oscilante dos peixes repetindo
em aquários o que não se fixa
somos o que ainda assim
busca um porto, um ponto
algo que se reconheça
nesse fluxo, uma boia
uma âncora talvez
entre as paredes de vidro
caindo no tempo em que cai bonco
uma montanha de gelo
sem aviso dentro d'água











é preciso sorrir ao que se parte
aos pedaços irremediáveis
versos de mundos, solas
nucas, espaços miúdos
atrás das orelhas, dobras
é preciso, você me diz
com as costas de sua camisa
rir de nossas imagens
deixando as polaroides











o romper do dia, essa expressão
instante preciso em que a luz termina
de rasgar o que não é mais noite
o verbo agindo do que se acumula
na camada fina da antemanhã
de modo lento, sempre primeiro
e no entanto repetido albor
lasca aguda do dia












Carla Kinzo nasceu em São Paulo. Publicou Eslovênia (Megamíni, 2017), Cinematógrafo (7Letras, 2014), Matéria (7Letras, 2012 – ProAC Publicação/2011), o infantil Grão (Pólen, 2015) e a plaquete Marco zero (nosotros editorial, 2018). É também dramaturga e atriz. Esses poemas fazem parte do livro Satélite, publicado recentemente pela Quelônio, com apoio do II Edital de Publicação de Livros da Cidade de São Paulo.









Imagens: Maria Leontina

Comentários

  1. Esses expressam coisas de um jeitinho bótimo que nunca me passaria pela cabeça

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