Cinco poemas de Angel Cabeza
Encosto meus
ouvidos no teu busto
e ouço algo de Mozart:
pulsante desespero de cordas.
*
Há qualquer coisa de carnal
num violino,
essa analogia de contornos:
a frondosa silhueta feminal,
o arco ereto, seivoso,
as cordas queixosas pela tensão de melodias,
o afago da crina nos cabelos de aço…
Dois corpos se rompendo
numa partida repleta
de água e som.
Afogados
Amar
é emergir com os pulmões
transbordados d’água.
Não há como
fugir dos peixes
que trafegam
pelas maçãs,
do anzol
que rasga as linhas
de nossas quiromancias.
Assinamos tratados sem
olhar as miudezas,
e então sufocamos
rituais de rotina para abrir
altos e pesados portões de ferro.
O amor é como um navio fantasma,
enferrujado e barulhento.
Amar
é afogar-se à beira
do torso,
é afundar num mangue
ilusivo
como caranguejos
habituados ao escuro
lamaçal
— o que sabem da
claridade é apenas a cegueira.
Tango
Quebramo-nos facilmente.
(Um tanto ocos e ressequidos?)
Mas já não recolhemos
os afiados cacos.
Apreciamos sangrar
as solas dançando
o vermelho trágico
dos dias.
Travessia
Teus contornos gravados
em minhas linhas
são brancos hemisférios.
Tuas cavernas
segredos de pedra e chuva.
Desconheço mapas
que revelem a longitude
dos teus caminhos.
Nada é plano ou brando.
Necessário se faz desbravar
a tormenta
enfrentar a colisão
entre casco e rocha
aceitar o coração
contra as tuas pedras
pontiagudas e o naufrágio perfeito:
imergir no vermelho espesso;
a quentura invadindo pulmões
até que a respiração se avelude
até que reste apenas o abafado
som do oceano
acariciando o sal
dos rochedos.
Morada
Habitamos também
a carne do outro.
Devoramos desmesuras,
mastigamos intensidades,
lambemos auroras…
Angel
Cabeza
nasceu no Rio de Janeiro. Cursou Letras e Jornalismo. É poeta,
cronista, coordenador editorial e produtor gráfico. Canção
para os seus olhos e outros castanhos (Urutau,
2019) é seu livro de estreia, embora tenha publicado antes dois
títulos de forma independente.
Participou das antologias O
Casulo
(Patuá),
29
de abril, o verso da violência (Patuá),
Qasaêd
lla falastin – Poemas para a Palestina
(Patuá)
e das revistas Odara,
Vício Velho, Literatura e Fechadura, Gueto, Germina, Cronópios,
Zunái, Subversa, Cuarto Propio
(Porto
Rico),
Verso
Destierro
(México),
Generación
Espontánea
(Madri),
entre outras.
Imagem: S. Lurk
Comentários
Postar um comentário