Cinco poemas de Andri Carvão




|incomunicabilidade|


vivem no mesmo país
estado cidade bairro rua
dividem o mesmo teto
e não se entendem

trabalham juntos
são vizinhos
amigos íntimos
têm uma relação afetiva 
duradoura
laços consangüíneos
e não se entendem

estão todos no mesmo barco
na mesma canoa furada
falam o mesmo idioma
gíria dialeto língua morta
e não se entendem

olham-se no espelho
miram-se na água
e não se reconhecem











|zeitgeist|

Hippie de butique
Punk de passarela
Roqueiro de shopping

Camiseta de banda
Camiseta de time
Camiseta de partido
Camiseta de grife

Slogan publicitário
Palavra de ordem
Beba Coca Cola
Marielle presente
Amo muito tudo isso
Fora Temer
A gente se liga em você
O povo não é bobo abaixo a Rede Globo
Just do it
Lula Livre

Palavras ao vento
Pérolas aos poucos

Fascismo italiano
Nazismo alemão
Comunismo soviético
Mussolini Hitler Stalin
Estados totalitários
Bundalelê tupiniquim

Educação de massa
Cultura de massa
Falsa democracia
Liberdade de expressão
Livre arbítrio
Liberdade de espírito
Liberdade para dizer
Rasgar o verbo
O que dizer
Como dizer
E para quem

Fala fala fala
E não diz nada

Educação de verdade
Cultura libertária
Acesso em excesso sem exceção
Até parir uma nova consciência
Até uma nova consciência explodir











|aos cristãos|

Os cristãos na arena atirados aos leões 
Os cristãos matando os mouros em nome de Cristo
Os cristãos mortos os cristãos assassinos
Os cristãos coniventes com o holocausto 
Os cristãos fechando os olhos para os porões da ditadura militar
Os cristãos censores
Os cristãos machistas
Os cristãos homofóbicos 
Os cristãos racistas
Os cristãos alienando as massas
Os cristãos e o suicídio coletivo
Os cristãos enriquecidos a custa da ignorância do povo
Os cristãos dominando os meios de comunicação 
Os cristãos montando uma bancada no congresso
Os cristãos contra as leis trabalhistas
Os cristãos contra o aborto
Os cristãos contra a união entre homossexuais
Os cristãos contra a educação sexual
Os cristãos contra os contraceptivos
Os cristãos contra as religiões africanas
Os cristãos a favor da pena capital
Hoje prenderiam Jesus e soltariam Barrabás
Pai perdoa eles não sabem o que fazem












|hoje e sempre|


A poesia teve grandes momentos: 
na antiguidade clássica nas mãos dos aedos 
e na idade média com as vozes dos trovadores.
A poesia na polis, 
a poesia em praça pública, 
democrática, 
compartilhada em meio a iletrados, 
não alfabetizados, 
através da oralidade. 
A poesia perigosa 
dizendo coisas, 
enchendo as cabeças de caraminholas.
Poetas são como filósofos 
de mentes dementes, 
todos muito loucos.
A poesia sai da praça, sai das ruas e ganha 
os cafés; se restringe aos grandes casarões, 
aos saraus dos salões e às reuniões 
a portas fechadas.
A poesia nos porões. A poesia clandestina.


O primeiro romance moderno surge com Dom Quixote, 
tendo como precursores Lazarillo de Tormes 
e os livros de cavalaria.
A invenção da prensa 
e a popularização dos folhetins na imprensa 
injetam fôlego à era do romance.
Isso tudo parece coincidir com a poesia 
relegada à marginalidade.
Se hoje o público de literatura é ínfimo, 
mais irrisório ainda é aquele que cultiva a poesia.
Um nicho.
Logo, 
que perigo 
eu, 
poeta menor, 
posso representar?
Nenhum.
A minha voz é inaudível.












|à esquerda|

A extrema-esquerda 
    é contra 
a esquerda. 
   O centro 
    é contra 
a esquerda. 
E a esquerda 
e a extrema-esquerda 
                                                        também são contra 
a esquerda, 
                                                        porque o maior erro 
da esquerda 
                                                    foi apostar na conciliação. 
                                                A luta de classes é uma guerra 
                                             que deve ser vencida pela maioria 
                                         composta pelo conjunto das minorias.





[Poemas do livro Poemas do Golpe, Editora Patuá - 2019]















Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte [SP]. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, há textos do autor nas publicações Labirinto Literário, Libertinagem, Gueto, Aluvião, Originais Reprovados, Subversa, Ruído Manifesto, Literatura e Fechadura, O RelevO. Foi colunista do site Educa2 e participou das antologias: Gengibre – Diálogos para o Coração das Putas e dos Homens Mortos, Embaçadíssima – Antologia Tirada de uma Notícia de Jornal [ambas pela Editora Appaloosa], 7 Dias Cortando as Pontas dos Dedos [um manifesto contra o fascismo], organizada por Rojefferson de Moraes e do livro homenagem a Rubens Jardim [editora Patuá]. Publicou Polifemo em Lilipute e outros contos [também pela Appaloosa], O Poeta e a Cidade [coleção #breves Gueto #9], Puizya Pop & Outros Bagaços no Abismo, organizou o livro coletivo Marielle’s [ambos pela Scenarium], Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books] e Poemas do Golpe [Editora Patuá]. Integra o Coletivo de Literatura Glauco Mattoso, criado pelo profº Antonio Vicente Seraphim Pietroforte.

Imagem: Salvador Dalí

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