Três poemas de Caroline Policarpo Veloso

















[isto aqui é uma expedição]
marília garcia

decidi começar um diário
como quem decide fotografar-se todos os dias
para enxergar o rosto mudando devagar

decidi começar um diário
de viagens
não porque o movimento precise ser geográfico
mas porque talvez eu precisasse
percorrer longas distâncias
para aprender a mover meu corpo

talvez eu precisasse
violentar brutamente a rotina
para sentir uma ruptura
e demarcar um começo

mas é difícil demarcar fronteiras com precisão

muito antes de começar, este diário já era
uma inquietação prolongada ao redor da ideia de movimento

em dezembro de 2017 recebi um bilhete
que me dizia da importância da capacidade de se movimentar
e eu que andava me sentindo bicho metamorfo
sem corpo fixo
sem solidez
entendi que a impermanência precisaria ser um método

corpo é movimento, anotei na exposição angel vianna

em janeiro ou fevereiro de 2018
e a voz dela na gravação ainda reverbera na minha cabeça:
se você não sabe se movimentar, como vai saber dançar?

eu precisava aprender a mover meu corpo
para aprender a habitar meu corpo

meses depois, em julho, quando fiz um pedido à figueira da casa do sol,
eu sabia que estava pedindo por um processo
que aconteceria de maneira dolorida e lenta
(como tem sido)
e sabia que não faria sentido desejar que o resultado viesse em forma de milagre
entre uma madrugada e uma manhã.
sabia que estava pedindo
por um processo
doloroso e lento
sabia a importância da dor e da demora

por estes dias o diário já era
um projeto
em estado de hesitação e espera
e não sei se seria mais exato dizer
que tinha acabado de começar ou que estava às vésperas de

talvez só seja possível nomear o começo
quando se ultrapassa esse estágio
o suficiente para saber que ele se liga a um depois

só se pode ligar os fatos
e desenhar um mapa no calendário
depois, muito depois de começar












se eu puxasse esse silêncio enroscado na minha língua
tatuado na voz
e ancorado tão fundo no corpo

se o arrancasse
rasgando a boca a garganta o peito talvez
o útero

sobrava o que?













talhei duas asas na pedra
e amarrei às costas

tem sido mais difícil caminhar
e carregar o corpo

tem sido até difícil respirar
com esse peso
apertando as costelas

é claro que nenhuma chance de alçar voo
carregando no corpo estas asas
de pedra

mas não é para voar que elas servem

é para pesar







Caroline Policarpo Veloso nasceu em São Paulo em 1996. Graduada em letras, é animal metamorfo e nômade. Cartografia do silêncio foi contemplado pelo edital de poesia do ProAC em 2018 e publicado pela Editora Patuá em 2019.














Imagens: Judith Lauand

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