Cinco poemas de Wilson Torres Nanini














pai nosso que estais
no sol a-se-pôr
entre prédios e certezas demolíveis
assistido do congestionamento
enquanto regressamos para casa
a levar o pão de cada dia

perdoai-nos por querer
adubar com pólvora
as gérberas de quem 
nos tem feito o coração 
pesar um piano

mas santificados sejam
os acidentes cânceres tiroteios enfim 
os redemunhos com que aferíeis 
a fé de nossos cata-ventos

e livrai-nos das danças
que nos tangem ao bueiro
ao abatedouro de nós próprios

e não nos deixeis cair na lábia
de bocas com doçura morna
que regurgitam os nossos 
beijos mais devotados















o circo

o mundo nos vê: palhaços
sem aplausos homens-
-bala sem asas trapezistas
sem cama-elástica

e se aceitarmos a vida
enjaular-nos com os leões
nosso coração vira seu
excremento

mas Deus vem menino
a pedalar uma bicicleta
na corda-bamba sobre o buraco
que tu achas intransponível
e te interpela a sorrir eterno
"se tiveres meia
semente de mostarda de fé
monta na garupa"















cilada (de judas)

amar não nos livra contudo
de ser atropelados levar tiros ser
apedrejados pela queda-livre em chamas
dum boeing a-380 
vindo do extravio de uns céus inavegáveis

as pessoas nos traem nos
desferem beijos ofídicos nos
preparam doces-armadilhas: põem
o botijão de gás dentro
da geladeira
a válvula aberta a lâmpada despida 
da vítrea película que envolve o pavio elétrico

abre-se alegre a porta em busca do açúcar
dá-se ignição ao desastre sem pelúcia nenhuma














derradeira 

“não me perguntes o que te deito ao prato
se pão
pedra
ou nacos de meu miocárdio
:
apenas fala-me a tua fome”














missões

ir de cabaças-
-d'água-benta fartas 
de encontro às pessoas
cuja sede (por fora) nos incinera
cujo desejo (por dentro) as carboniza

ir até onde se escondem
aferir-lhes o quanto pesa-lhes
o vazio escuro estéril 

nem bem me cresce o coração 
arrancado na derradeira carnificina 
e já me remetes de novo
feito bezerro para o meio de onças 

ainda um dia te encantuo
te enfio as unhas nas cinco chagas
te torturo até me explicares
por que – por quê? –
me pões a rezar para 
que tenha pomares quem
me roga penhascos

















Wilson Torres Nanini nasceu em Poços de Caldas (1980), é policial militar de Minas Gerais e autor dos livros “alcateia” (2013) e “escafandro” (2015), ambos pela Editora Patuá. Os poemas aqui publicados são parte do livro “coresma”, ainda inédito.



















Imagens: Manuel da Costa Ataíde, Mestre Ataíde 


Comentários

  1. Parabéns, Nanini, Poemas densos mesclando a realidade das ruas e o imaginário cristão. Abraço

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