Cinco poemas de Luiz Eduardo de Carvalho




Hiato

Dias de hesitante hiato
entre o feito e o futuro,
o concreto e o incerto;
concreto feito um muro
que separa o longe do perto
e adia o reencontro imediato!

Somos a pedra e o concreto:
mais do que perto, juntos;
o mesmo desejo perpétuo,
mais do que coesos, unos...
somos nós o muro!

Matéria íntima um do outro,
farinhas finas do mesmo saco
já misturadas desde o coito,
medidas na receita do bolo
que de confeitos eu te faço
e, feito dele, sirvo-me afoito!

Menino levado, menina nua:
noite e dias de janelas abertas,
pernas tuas, a carne crua,
gente vendo por entre frestas,
as noites tortas e as carícias certas,
os escudos baixos, as lanças eretas,
todo o expediente e as horas extras,
em que o menino em agonia urra
o silêncio que o amante sussurra!

Fantasias de cantigas de gesta,
princesa, cavaleiro e herói...
mocinho, índia e caubói;
a égua, chicotada que dói,
em disparada desembesta
a fazer tudo que não presta,
tudo que ao desejo resta
pois que a morte corrói! 

A liberdade em si suprema,
em ti se vê já tão pequena
agora que da cena distante,
agora que outra só adiante...
presa da espera mais que lenta
na ausência que nada acalenta,
cristaliza-se o hiato, duro diamante!

(in O Teatro Delirante, ed. Giostri, 2014)





Oração

que a pauta seja fértil
para que nasça a lira
onde só há erva daninha
onde o solo já é estéril

que seja exata a semeadura
para ser farta a colheita
a distribuição sem censura
e alguma justiça feita

que não seja última a ceia
para ser eterna a partilha
da obra do trigo e da vinha
feita escrita para que se leia

que seja feito de palavra
cada verso que sacia
com o fruto desta lavra
a fome de uma alma vazia

(Centros de Mim, in Retalhos de Sampa, ed. Giostri, 2015)






Baudelairiana

Já sucumbimos às flores do mal?
Mais nenhum botão aflora no quintal,
hirtos e secos vergam-se seus caules
para não vicejarem novos males?

Revoa o poeta, gauche albatroz,
com sete faces de compositor.
A equipagem, sádica, foi a algoz
que fez verso vívido de sua dor.

Triste arauto desta modernidade
que nos deu matéria onde havia espírito
e o mal no lugar da era da bondade.

Anúncios feitos sem o dom dos místicos,
preso ao tombadilho da novidade,
anteviu nossa mazela em tom mítico!

(As Últimas Noites de Pompeia, in Retalhos de Sampa, ed. Giostri, 2015)






Tercetos, Aldravias, Quadras e Hai Cais

A derradeira diversão da poesia
é fazer de cada poema um enigma
bem criptografado no código da língua.


eis
seis
versos
nexos
diversos
conexos

Sou triplamente parvo:
distante do mundo, paro;
diante do visto, pasmo;
durante o pasmo, travo. 

Na última hora,
por não ser feita de pele,
a máscara chora.

(2018 - in Curta-Metragens, no prelo)






Que a Arte nos Resgate

Eu te consolo,
humanidade,
em meu colo
de piedade
onde se reescreve,
em cada verso,
a dor que não prescreve,
a fome que não meço,
a força que desiste,
e a vida que insiste.

Pietá, pietá,
é o homem
que jaz no abandono:
urge, é preciso
tal reencontro
entre a poesia
e o desconsolo
e, para ele,
em silêncio,
um verso novo
e auspicioso
numa canção para danças
que faça adormecer os homens
e despertar as crianças.

(2019 - in Que a Arte nos Resgate, no prelo)







Luiz Eduardo de Carvalho sempre atuou na intersecção entre Cultura, Educação e Política, tendo emprestado da Comunicação Social as ferramentas para as pontes. Estudou Farmácia e Bioquímica e Letras na USP e formou-se em Comunicação Social na ESPM, é licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Nove de Julho. Foi professor de teatro e redação em alguns dos principais cursinhos pré-vestibulares de São Paulo; chefe de Subsecretaria Parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo, publicitário e assessor de imprensa, jornalista editor da Carta Maior na área de cultura, diretor executivo do Instituto Pensarte, assessorou o ministro Gilberto Gil coordenando a comunicação da Teia dos Pontos de Cultura de Belo Horizonte em 2007 (PNC – Cultura Viva – MinC), gerenciou o Espaço Parlapatões em São Paulo. Publicou O Teatro Delirante (2014 – poesia erótica e lírica- Ed. Giostri) e Retalhos de Sampa (2015 – poesia – Ed. Giostri). Recebeu, entre outros, o prêmio Oliveira Silveira da Fundação Palmares – MinC em 2015 com o romance Sessenta e Seis Elos (2016 – romance histórico - FCP), o Prêmio Cidade de Belo Horizonte em 2016, com o romance Xadrez (2019 - romance epistolar - Ed. Patuá) e o Prêmio de Incentivo à Publicação Literária do Ministério da Cultura 2018 e o Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira dos Escritores – Prêmio Maria Clara Machado (1º lugar), com a peça teatral Evoé, 22! (no prelo).

Foto do autor por Silvana Barreto Imagem: Takács Lajos

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