Cinco poemas de Luis Turiba















Língua à brasileira

Ó órgão vernacular alongado
Hábil áspero ponteado
Móvel Nobel ágil tátil
Amálgama lusa malvada
Degusta deglute deflora
Mas qual flora antropofágica
Salva a pátria mal amada

Língua-de-trapo Língua solta
Língua ferina Língua douta
Língua cheia de saliva
Saravá Língua-de-fogo e fósforo
Viva & declinativa
Língua fônica apócrifa
Lusófona & arcaica
Crioula iorubáica
Língua-de-sogra Língua provecta
Língua morta & ressurecta
Língua tonal e viperina
Palmo de neolatina
Poema em linha reta
Lusíadas no fim do túnel
Caetano não fica mudo
Nem “Seo” Manoel lá da esquina
 Por ti Guesa errante, afro-gueixa
O mar se abre o sol se deita
Por Mários de Sagarana
Por magos de Saramago
Viva os lábios!
Viva os livros!
Dos Rosas Campos & Netos
Os léxicos, Andrades, os êxtases
Toda a síntese da sintaxe
Dos erros milionários
Desses malandros otários
Descartáveis, de gorjetas.

Língua afiada a Machado
Afinal, cabeça afeita
Desafinada índia-preta
Por cruzas mil linguageiras
A coisa mais Língua que existe
É o beijo da impureza
Desta Língua que adeja
Toda a brisa brasileira
Por mim,
                Tupi,
                        Por tu Guesa














LaMar

não é doce morrer no rio Doce
quando o próprio rio morre de si

morre do barro na marra do berro
da barragem que abreviou sua morte

de que birra é feita esse barro
de que lama se extrai esse ferro

que achocolatado corre ao sabor de
arsênio chumbo nitrato de prata & bário

mata a água que deságua em cloreto de
cobre zinco manganês mercúrio - e cromo?!

é rosa espúrio, mas o bom cabrito não berra
o que sai do garimpo não nega a terra

água da vida nasce em samarcas garrafas
quem bebeu o Doce nem sequer regalou-se

há uma luta insana entre a lâmina da lama lúgubre
e as ondas que clamam ar junto ao mar oceânico

o cortejo fluvial chega arrosado ao atlântico
roda minério no rumo que o vento o levar

a sílica com sua liga cínica faz da lama
coagulante tijolo flutuante - é soda!!

a vila parou pra ver a lama chegar e chorou
o chorume vomitado nas águas do planeta

uma flor sobrevive ao barro na contracorrente
incorruptível do brejo do pântano da lama humana














ERGO


     não desapego
desse chamego
     de voo cego


chego cedo
      seco em segredo
desassossego


     apelo aos elos
não peço arrego
    - cruz credo! –


revelo a seco
       teu desmantelo
& ao sê-lo

                 ergo   














QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?!


há um dono
pra cada pedaço
de calçada

um gerente
só pra controlar
quarteirão

são fronteiras
barreiras
valem nada

condomínios
na barra
casarões

galeras
e hordas
em guerrilhas

são tropas
comandos
são quadrilhas

são milícias
polícias 
sem treliças

são mandantes
estão de
fuzil na mão

de que lado
fico
vai dar merda

mas me
cabe perguntar
quem me responde?

o juiz o ministro
pastora o bispo
quero saber?

quem mandou matar Marielle
quem mandou matar Marielle

não tem cara
não tem corpo
não tem osso
nem tem pele?

quem escraviza
a favela
quem apagou
Marighela?

não se renda
não se esconda
não se encubra
nem se fira

não tem cana
nem xadrez
não tem vez
nem tem cela

uem mandou matar Marielle
quem mandou matar Marielle

não fui eu
mas sou ela
fomos nós
sou uma delas


onde está
o Amarildo?
quem fuzilou
Marielle?

quem engendrou esse asco?
quem é o mandante do carrasco?













DESAMOR

armar-se
não é
amar-se
é matar-se
embora
de amor
também
se morra
também
se mate
pois o amor
é arma
secreta
do viver-se
sem
dividir-se
ao doar-se
sem dor
o que dá
margem
a quem
deseja
armar-se
com a mais
mortal
das armas:
o desamor








Luis Turiba é pernambucano, cresceu no Rio de Janeiro, morou por 32 anos em Brasília, onde trabalhou como repórter em diversos órgãos de imprensa (Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, Jornal de Brasília, Correio Braziliense). Teve experiências em Assessorias de Imprensa na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no Ministério da Cultura, onde foi Assessor de Comunicação por três anos na gestão de Gilberto Gil. Foi editor da revista de poesia experimental BRIC-A-BRAC, elaborada em Brasília, de 1985 até 1992, após o fim dos regimes militares. Organizou o grupo e a coleção de livros OIPOEMA com Nicolas Behr, Cristiane Sobral, Amneres, Bic Prado e Angélica Torres. Voltou a morar no Rio de Janeiro a partir de 2012, após aposentar-se. Publicou, em 2014, pela 7Letras do Rio, o livro “Qtais” e passou a participar dos movimentos poéticos da cidade, onde tem ido a recitais, encontros e saraus com poetas como Paulo Sabino, Ricardo Silvestrin, Salgado Maranhão, Antônio Cícero e outros. Em 2019, publicou, também pela 7Letras, o livro “Desacontecimentos”, com apresentações do poeta Antônio Carlos Secchin, da ABL; e do jornalista/poeta Paulo José Cunha de Brasília. No Rio, tem participado também como diretor e cuiqueiro do bloco de carnaval “Mistura de Santa”, onde compõe sambas com seu parceiro Fernando Reis. Atende pelo e-mail turibapoeta@gmail.com. Tem facebook: Luis Turiba. WhatZapp: Luis Turiba.






Imagens: Judith Lauand 

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